Apesar de setembro ser o mês de conscientização da população sobre saúde mental e o enfrentamento de questões que levam ao suicídio, essa é uma questão que deve ser lembrada todos os meses do ano.
A campanha Setembro Amarelo teve início em 2015, pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) em conjunto com o Conselho Federal de Medicina (CFM), e desde então, vem ampliando a discussão sobre os sinais de alerta e a necessidade de oferecer suporte emocional a quem está em sofrimento.

Entre 2011 e 2022, a taxa de suicídio entre jovens no Brasil apresentou um crescimento de 6% por ano. As notificações de autolesões na faixa etária de 10 a 24 anos também registraram aumento significativo, com uma média anual de 29% de crescimento. Estes números superam os da população em geral, que teve um crescimento, em média, de 3,7% por ano, enquanto as notificações de autolesões aumentaram 21% anualmente no mesmo período. Os dados fazem parte de uma análise publicada recentemente na The Lancet Regional Health – Americas. O estudo foi conduzido pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), em parceria com pesquisadores de Harvard.

O suicídio é uma questão de saúde pública mundial, e a OMS estima que cerca de 700 mil pessoas morram a cada ano. Depressão, transtorno bipolar, abuso de substâncias e questões sociais, como isolamento e falta de suporte emocional, são fatores associados ao risco. No Brasil, a abordagem do tema tem ganhado espaço, principalmente em campanhas como o Setembro Amarelo, que visa a prevenção e o esclarecimento.

Principais causas de suicídio

Franciele Sassi, psicóloga

É um fenômeno multifatorial que envolve não apenas questões relacionadas a transtornos mentais, mas também condições sociais, como o isolamento, o desemprego, problemas familiares e a falta de perspectiva. Além disso, fatores como a depressão e o abuso de substâncias aumentam o risco de uma pessoa desenvolver pensamentos suicidas. A Associação Brasileira de Psiquiatria destaca que 96,8% dos casos de suicídio estão relacionados a transtornos mentais, sendo a depressão o mais prevalente.

A psicóloga Franciele Sassi, especialista em luto e perdas e mestre em Psicologia Clínica, traz uma análise aprofundada sobre os desafios que os jovens enfrentam na sociedade atual, com foco no impacto das redes sociais e na saúde mental. Segundo ela, o excesso de estímulos digitais, aliado à falta de interações presenciais, tem sido um dos principais responsáveis pelo aumento da vulnerabilidade emocional dos jovens.

O impacto das redes sociais na saúde mental

Franciele explica que a saúde mental dos jovens está diretamente ligada à quantidade de estímulos que eles recebem na internet, muitas vezes sem filtro ou discernimento. “As redes sociais podem ser uma fonte tanto de informação quanto de desestabilização”, observa a psicóloga. Ela aponta que a velocidade com que as informações chegam, prontas e sem a necessidade de reflexão crítica, prejudica o desenvolvimento da capacidade de construção e processamento das experiências vividas. “No mundo digital, tudo acontece de forma muito rápida. Essa rapidez diminui as chances dos jovens de pensar, refletir e criticar o que veem. Eles acabam aceitando passivamente o que é apresentado, tornando-se mais suscetíveis a conteúdos destrutivos”, comenta.

Outro ponto abordado por Franciele é o impacto das expectativas irreais criadas pelas redes sociais, onde a vida parece sempre perfeita e controlável. “Ninguém mostra nas redes sociais as batalhas e dificuldades que enfrenta. As redes tendem a exibir apenas momentos felizes, o que gera uma idealização da vida alheia. Isso faz com que os jovens sintam que suas próprias vidas não correspondem ao que veem nas redes, o que aumenta o sentimento de frustração”, explica.

Ela acrescenta que essa disparidade entre a realidade cotidiana e o que é projetado online enfraquece a capacidade de lidar com os desafios da vida real. “A rapidez com que somos expostos a informações floridas e coloridas desestrutura o aparelho psíquico, que deveria ser capaz de ponderar e refletir sobre as experiências. Quando o jovem não desenvolve um senso crítico, tudo o que vê nas redes acaba sendo percebido como superior à sua própria realidade”, destaca.

Comparação e os transtornos mentais

A constante comparação com vidas idealizadas nas redes sociais também tem um impacto significativo no desenvolvimento de transtornos mentais, como ansiedade e depressão. A psicóloga enfatiza que, à medida que o jovem se vê preso nessa rede de comparação, ele tende a se isolar, o que agrava o risco de desenvolver problemas emocionais. “As redes sociais hoje, oferecem uma quantidade infinita de informações prontas, e quanto menos os jovens exercitam o pensamento crítico, mais vulneráveis ficam. Eles acabam acreditando que a vida dos outros é sempre melhor. Na vida real, não há recortes: enfrentamos desafios e limites diariamente, mas as redes projetam uma imagem idealizada, dificultando a aceitação da realidade”, afirma.

Esta comparação excessiva afeta, principalmente, os adolescentes e jovens adultos, que estão em um período de desenvolvimento repleto de incertezas e transformações. “Os jovens estão em uma fase da vida em que surgem muitas angústias e inseguranças, e eles buscam pertencimento em algo maior. As redes sociais, por serem amplamente acessíveis, tornam-se a principal fonte de validação, o que os torna ainda mais frágeis e suscetíveis a problemas de saúde mental”, alerta a psicóloga.

O impacto da pandemia

A psicóloga também comenta como a pandemia afetou as interações sociais e o senso de pertencimento dos jovens. “Sempre digo que há um antes e um depois da pandemia. A internet facilitou a comunicação, mas ao mesmo tempo afastou as pessoas do contato presencial. Aprendemos a viver isolados, e isso prejudicou a capacidade de construir conexões genuínas”, reflete.

Ela ressalta que a facilidade de comunicação via internet é uma “moeda de dois lados”. Por um lado, promoveu a rápida troca de informações, mas, por outro, distanciou as pessoas, reduzindo a qualidade das interações presenciais. Para reconstruir conexões saudáveis, Franciele recomenda que os jovens sejam incentivados a se engajar em encontros presenciais e atividades que promovam interações humanas genuínas, sem a mediação das telas.

Como identificar sinais de alerta

A psicóloga também oferece orientações para pais e responsáveis sobre como identificar sinais de que seus filhos podem estar em sofrimento. “Os pais precisam estar presentes e atentos às mudanças comportamentais dos filhos. O distanciamento emocional e o isolamento social são sinais importantes. Além disso, o que os jovens postam e consomem nas redes sociais pode fornecer pistas valiosas sobre o que estão vivenciando emocionalmente”, pontua.

Ela reforça que os pais devem trabalhar em equipe com os filhos, oferecendo um ambiente de segurança e apoio. “Conhecer a rotina dos filhos, com quem eles conversam e o que pesquisam são maneiras de perceber angústias e problemas que possam estar enfrentando”, diz.

Além disso, ela reforça a importância de campanhas como o Setembro Amarelo na prevenção do suicídio. “Essas campanhas trazem à tona assuntos que muitas vezes são negligenciados no dia a dia. São oportunidades de falar abertamente sobre saúde mental, desmistificando crenças disfuncionais e proporcionando conhecimento seguro”, destaca.

Segundo ela, a prevenção ao suicídio depende de um olhar constante para a saúde emocional. “A saúde mental deve ser cuidada todos os dias. O Setembro Amarelo é um lembrete de que precisamos falar sobre nossas emoções, buscar ajuda e cuidar uns dos outros”, conclui.

Depressão em Jovens

Roberto Nichetti, psiquiatra

A depressão entre adolescentes e jovens adultos é um tema cada vez mais presente, com fatores biológicos e psicológicos desempenhando papéis cruciais em seu desenvolvimento. Segundo o psiquiatra e psicoterapeuta Roberto Nichetti, “existe uma predisposição genética nos transtornos de humor. Se um dos pais tem a condição, o filho possui 25% de chance de desenvolvê-la, e essa probabilidade aumenta para 50% se ambos os pais forem diagnosticados”, diz. Além disso, fatores adversos na infância e o acúmulo de perdas ao longo da vida contribuem significativamente para o surgimento da depressão nessa faixa etária.

Os sintomas da depressão podem se manifestar de maneiras distintas em diferentes fases da vida. “Em crianças, a irritabilidade, a queda no rendimento escolar e o isolamento são sinais de alerta”, comenta Nichetti. Em adolescentes, os sintomas incluem perda de energia, desinteresse, isolamento social e a tendência a guardar para si pensamentos negativos, tornando-se mais difíceis de identificar.

No tratamento da depressão, é importante considerar tanto fatores genéticos quanto ambientais. “A questão genética influencia diretamente na escolha do medicamento, mas quando o jovem está passando por uma crise vital, a psicoterapia é uma abordagem essencial”, ressalta o psiquiatra. Terapias como a cognitiva e a interpessoal são fundamentais para ajudar o paciente a superar as crenças negativas e a crise emocional. “A psicoterapia breve dinâmica também é útil para lidar com momentos de crise”, completa.

A depressão interfere profundamente na capacidade de tomar decisões e na percepção do próprio valor. “A pessoa se vê presa a crenças negativas sobre si mesma, sobre o mundo e sobre o futuro”, afirma. Em casos moderados a graves, a medicação é necessária, mas o apoio terapêutico é indispensável para a recuperação. Além da medicação, o tratamento da depressão envolve diversas intervenções. “Em crianças, a psicoterapia psicanalítica pode ser suficiente nos casos leves ou moderados. Em adolescentes e adultos, é fundamental remodelar crenças através da terapia”, explica o especialista. Ele ainda aponta que terapias ocupacionais e reforço escolar podem ser necessários, já que a depressão afeta a atenção e o desempenho acadêmico. Atividades físicas também são recomendadas, pois ajudam a regular o sono e combater a falta de energia, dois sintomas comuns da depressão.

Nichetti também enfatiza a importância de campanhas de conscientização, na prevenção e cuidado com a saúde mental. “Quando as campanhas alertam sobre o risco de suicídio, as pessoas ficam mais atentas ao comportamento dos jovens. Falar abertamente sobre não agrava a situação. Pelo contrário, faz com que ele se sinta apoiado e compreendido, o que pode ser crucial para detectar o problema a tempo”, conclui.