As denúncias envolvendo o presidente da República Michel Temer, que desencadearam a maior crise política de seu governo, poderão afetar diretamente na economia e na tramitação do pacote de reformas encaminhadas ao Congresso. É o que afirmam empresários e especialistas do setor, que avaliaram as possibilidades do momento, caso as denúncias contra ele sejam confirmadas. Para os entrevistados, o momento é de atenção e cautela, aguardando os próximos desdobramentos da operação.

Após a divulgação dos áudios de uma conversa entre Temer e um dos donos do grupo JBS, Joesley Batista, onde o presidente dá aval para comprar o silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB), a Bolsa de Valores despencou, o dólar subiu e as incertezas no campo econômico voltaram a permear. Além disso, relator da reforma da Previdência, Arthur Oliveira Maia (PPS-BA), suspendeu a tramitação do projeto.

Conforme a economista Maria Carolina Gullo, os efeitos da crise na economia vão depender do reflexo da imagem do presidente, após a enxurrada de denúncias. Para ela, essa desconfiança deverá obrigar as empresas a manter cautela no momento e monitorar os acontecimentos. “Certamente, muitos investimentos vão ser adiados por algum tempo até que o cenário político fique mais claro”, acredita. Questionada sobre as consequências da crise em Bento Gonçalves e região, a economista acredita que se o câmbio continuar subindo, poderá comprometer as metas de inflação para o ano, encarecendo o custo de produção de alguns produtos que tenham matéria-prima importada.

Para o cientista político João Ignácio Pires Lucas, a instabilidade política afeta diretamente a economia, desde as alterações mais imediatas nas bolsas de valores, valor das ações, até o nível do câmbio, especialmente em relação a moeda americana. Para ele, com a baixa credibilidade do governo, os investimentos ficam adiados para um momento melhor, mesmo com alguns setores ganhando com o dólar mais alto. Na visão do cientista, Bento Gonçalves e região, por possuírem atividades diversificadas e com exportação para fora do país, a situação pode ser positiva, dependendo da elevação da moeda. Mas ele ressalta preocupação com o comércio no Brasil. “Quanto ao mercado interno, esse deverá custar a melhorar, especialmente no setor de alimentos não básicos”, avalia.

 

Decepção no ramo empresarial

Segundo o presidente da Câmara da Indústria e Comércio de Bento Gonçalves, (CIG-BG), Laudir Miguel Piccoli, os acontecimentos decepcionaram o empresariado, num momento em que a confiança nos negócios começava a dar sinais de retomada. Para Piccoli é um momento de apreensão e coloca em dúvida a possibilidade de investimentos. “A instabilidade política gera receio e, atualmente, é um dos entraves mais agravantes na questão da recuperação econômica, pois afeta a confiança do empresariado no comportamento do mercado. Sem segurança, é difícil que as empresas efetivem seus planos de desenvolvimento e expansão a médio e longo prazos”, enfatiza.

De acordo com o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDl), de Bento Gonçalves, Marcos Carbone, a delação dos executivos da JBS foi um golpe que compromete o andamento das projeções para o setor do comércio. “Vai ser necessário recomeçar o trabalho de recuperação. O baque trazido pela crise política dificulta o andamento dessa projeção, uma vez que abala a confiança das pessoas com relação ao futuro, o que impacta diretamente seus hábitos de consumo”, acredita.

 

Votação das reformas

Com o agravamento da crise política, as perspectivas para as votações do pacote de reformas do governo ficam paralisadas. Conforme a economista Maria Carolina, tudo dependerá dos acontecimentos dos próximos dias. “Se Temer se fortalecer, poderá conquistar os votos que precisa no Congresso e passar as reformas, o que acalmará os mercados. Mas, se ele enfraquecer, os projetos não saem e estas incertezas vão se refletir no câmbio e na bolsa”, afirma.

 

Futuro incerto

No plano político, Lucas acredita que existam três possibilidades, mas que ainda não estão claras, pois tudo depende do andamento das investigações. Ele pontua que a descontinuidade do governo Temer com eleições indiretas, implicaria na manutenção de uma oposição forte no que concerne à legitimidade política e haveria maior dificuldade na aprovação das reformas, especialmente a da Previdência. Outra opção apontada pelo cientista político é a saída de Temer e eleições diretas. “Isso poderia resultar numa grande incerteza inicial com quem seria eleito, mas poderia trazer certa estabilidade dependendo do resultado”, acredita. A terceira possibilidade seria a manutenção de Temer, algo que, segundo ele, parece, no atual momento, “o mais complicado para o mercado, mesmo que ele tenha se comprometido com as reformas, porém, elas estarão mais distantes, em virtude do contexto atual, que, evidentemente, pode mudar logo”, finaliza.