Hoje fui acordada pelo tic tic nervoso e ininterrupto de um passarinho. Tudo bem, já eram nove horas, mas como costumo dormir tarde, fiquei incomodada. Além de estridente, fazia eco no grande ninho vazio que é a nossa garagem. Como ele havia entrado ali?

À medida que eu descia os degraus para analisar a situação, a frequência do tic tic ia diminuindo. Quando me viu, o alado fez um esparramo tentando se esconder, e, a cada novo susto, ele deixava seu DNA gelatinoso pelo caminho.

Fui seguindo o roteiro que nem João e Maria. Ele passou pela máquina de lavar, pelo tanque, dentro de uma caixa de cerveja, embaixo da mesa e nos fundilhos da “Frigidaire” vermelha, abarrotada de velharias. Com a destreza que me caracteriza, corri para abrir o portão e indiquei a saída, mas a ave, em frente à liberdade, preferiu se enfiar nos cantos.

Fiquei encucada… Estaria ela fugindo do assédio do companheiro, que voava em círculos e a chamava com seu “tic tic” alto e claro? Ou ela seria ele, em processo de separação judicial, todo arrepiado, tendo perdido algumas penas durante as disputas?

Resolvi não interceder. Deixei o portão aberto para que ambos se entendessem e fui fazer minhas coisas no andar de cima.

De repente, um avançar rápido, cadenciado e leve me deixou em sobressalto, porque, obviamente, não era do passarinho. Quando vi, dei de cara com um magrão branco de três patas, com a língua pendida pra fora da boca. Sem dificuldades, apesar da sua condição, o pet visitou todos os cômodos. “Eita, cara folgado”, pensei. “Não está nem aí para as boas maneiras”.

Com a ajuda de um pãozinho, convidei-o a sair e fechei o portão, nem tanto por causa de possível invasão de bichos – passarinhos, cães, gambás, lagartos e minhocas não me assustam. O problema reside naqueles que têm pernas… E mãos muito leves.

Voltei para meus afazeres, mas o tic tic continuava. E, pelo tom esganiçado agora em desespero, significava que ele ainda estava no lado de dentro. Felizmente, chegou alguém capaz de pegar o passarinho fujão. Foi aí que constatei tratar-se de um filhote. Assim que o largamos no matinho ao lado, a mãe veio correndo ao seu encontro. E ambos voaram pra longe da casa branca, cantarolando seu tic tic amoroso.