Tabela elaborada pela Associação Gaúcha dos Vinicultores (Agavi), em janeiro de 2023, desagrada sindicatos e produtores da região, que vão seguir a relação oficial publicada pela Conab em dezembro em 2022

Em 18 de janeiro de 2023, a Associação Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra) divulgou nota referente ao preço mínimo da uva e anunciou uma nova tabela feita pela Associação Gaúcha dos Vinicultores (Agavi), destacando que o aumento de 20,61% determinado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), passando para R$1,58/kg, está acima do que pode ser pago.

Segundo o documento, foram diversas as reuniões para se chegar a um acordo entre os elos da cadeia no valor de R$1,40/ kg para a uva Isabel 15º, o que efetivamente não ocorreu. Diante da atual conjuntura de mercado do setor vitivinícola, considerando a queda da comercialização, altos estoques de passagem de ano, possibilidade de recessão e inflação, fez com que a indústria, por consenso, capitaneada pela Agavi, elaborasse uma tabela alternativa com valores para balizar o preço para aquisição.

O presidente da Uvibra, Daniel Panizzi, informa que nos últimos meses foram realizadas reuniões com o sindicato para definição. “Com isso, a indústria, principalmente a Agavi, que é a que recebe uma grande quantidade de uva de mesa, está muito preocupada. Primeiramente com o reajuste que foi feito na safra passada, que chegou a 20%, muito acima da inflação. E agora há o novo reajuste, também na faixa dos 20%”, pontua.

O primeiro complicador, conforme Panizzi, é fazer o repasse de preço com esses novos valores da uva, no qual o mercado não aceitaria. “O segundo é que existem mais de 350 milhões de litros de estoque de passagem, ou seja, é um produto de safras antigas que estão dentro das vinícolas. Além da alta recessão de mercado que está tendo na parte do vinho de mesa, há praticamente 15% de queda nas vendas comparando 2021 a 2022”, afirma.

O presidente frisa que todas essas preocupações dos vitivinicultores, para que não houvesse um reajuste tão expressivo, foram levadas para o sindicato dos produtores. “O que aconteceu foi que não teve um acordo da indústria com os fornecedores e isso foi para a Conab, que definiu então esse valor de R$1,58/kg, que é um preço sugestivo. A indústria está muito preocupada, mas entende a importância do produtor e que ele tem que ser remunerado. No entanto, faz um alerta de que existe esse complicador, se as vendas não melhorarem nesse ano, haverá um problema de recebimento por não ter capacidade de estocagem”, informa.

A partir disso, a Agavi se reuniu com seus associados pensando em um reajuste de, aproximadamente, a média dos índices inflacionários do ano passado e de 2023. “Foi estabelecido um preço que seria justo para eles, que é o valor R$1,40/kg”, revela. Conforme Panizzi, a Uvibra não teve posicionamento e não se reuniu para participar dessa decisão, apenas fez um comunicado aos associados para informá-los da situação.

O que diz a ACIU

Dois dias após a tabela da Agavi ser apresentada, a Associação da Comissão Interestadual da Uva (ACIU) publicou um ofício no qual escreve que sempre esteve em busca de uma maior valorização do produtor ao longo dos anos de sua atuação, especialmente no que se refere ao preço da uva. Assim, como acontece todos os anos, faz o levantamento do custo de produção, que serve de suporte para, junto ao governo federal, definir o valor mínimo.

Conforme o presidente da associação, Cedenir Postal, neste ano a estatística ficou próxima ao que foi definido pela portaria do Ministério da Agricultura N° 522 de 1° de dezembro de 2022. Após, a Conab publicou o Comunicado CONAB/MOC N° 027, de 30 de dezembro de 2022 com a tabela de preços, de acordo com a variedade e graduação. “Nos causou surpresa, mas já sabíamos do descontentamento por parte da indústria quanto ao reajuste e que ela, desde que começou esse debate nos meses de setembro e outubro de 2022, não queria e depois aceitou um pequeno reajuste, com limite de R$1,40. Fomos a Brasília reivindicar que pelo menos ficasse próximo ao custo de produção, que foi o que aconteceu e o Governo definiu o valor de 1,58”, explica.

Com isso, a ACIU através de seus sindicatos, não aceita, não concorda e não compactua com esta prática e com esta tabela alternativa, visto que fez o levantamento do custo de produção onde os insumos, fertilizantes, combustíveis e mão de obra foram muito além disto. “Para nós a que vale é a oficial, o produtor não pode ser penalizado por causa dessa insatisfação. Estamos estudando, enquanto Comissão Interestadual da Uva, quais as medidas que iremos tomar, além de conversar diariamente com outros sindicatos para ver qual atitude assumiremos”, defende.

A opinião dos produtores

A agricultora de São Valentim, Diva Marcolin Flamia, 55 anos, conta que o comunicado pegou todos os produtores de surpresa. “Ficamos preocupados, pois a tabela oficial que estipula o preço mínimo já saiu e, pelo menos, ele fica mais próximo ao custo de produção. Mas essa nova lista imposta pela indústria acaba nos prejudicando, pois fica muito abaixo. Nos sentimos desvalorizados”, lamenta.

De acordo com Diva, os R$1,58 definidos em dezembro é justo, mas deveria ser ainda maior que o estabelecido. “Por todo o trabalho que o cultivo nos dá, o reajuste em relação ao ano anterior foi melhor, porém, o produtor deveria ser mais valorizado. Além de todo o custo de produção com insumos e mão de obra, temos que lidar com o clima”, argumenta.

Portanto, a não adesão do preço mínimo oficial pelos vitivinicultores desalenta os produtores, que buscam por valorização. “Sempre lutamos juntamente com o sindicato, e agora a indústria não quer cumprir. Isso nos desanima bastante e muitos agricultores acabam desistindo de trabalhar por conta disso”, ressalta. A cultivadora destaca que o valor justo é importante para que os trabalhadores consigam manter-se na agricultura e levar seu produto a mesa do consumidor. “Quando o gasto com a produção se torna maior do que o que recebemos pela uva fica inviável continuarmos trabalhando, visto que ainda somos reféns do clima, que muitas vezes não colabora e acabamos perdendo parte da colheita”, lamenta.

A trabalhadora rural e proprietária de uma agroindústria da região, Noeli Suzana de Bona Lerin, 55 anos, acha injusto reduzir o preço mínimo da uva, pois o valor dos insumos aumentou e com isso, se preocupa em como poderá arcar com as despesas. “Acho justo o que foi definido por lei no ano passado. Com a nova tabela proposta pela indústria os agricultores que só produzem uva em sua propriedade não conseguirão se sustentar, pois o custo da produção duplicou”, afirma.

A importância do preço justo para o produtor, de acordo com Noeli, é a valorização da uva, pois significa a continuação do trabalho nesse setor. “Os agricultores têm o apoio do Sindicato Rural, que luta para defender essa questão. E eu, como proprietária de uma agroindústria de suco, posso afirmar que o valor em custo final do produto, não chega a 20%, por que a embalagem, o rótulo e tudo dentro disso, dá uma margem de quase 50% do gasto. Caso não tiver o preço mantido por lei, não teremos sustentabilidade e teremos que abandonar essa área”, completa.