Sou fascinada por histórias do outro mundo, especialmente quando elas têm pinta de serem verdadeiras. E não surto de medo… se mais gente estiver compartilhando o espaço comigo. Sozinha, nem pensar! Nada de filmes do tipo “Vozes do Além”. Cruz Credo! Por falar em “além”, ainda quero passar por aquela famosa lagoa, a caminho do nosso litoral, onde, segundo a lenda, aparece a noiva que se afogou no dia do próprio casamento. Aguardo uma comitiva que se disponha a fazer o trajeto depois de o sol ser engolido pelo horizonte, e a água se confundir com a bruma em toda a sua extensão (já estou me familiarizando com o ambiente). Busquei uma explicação científica para essa estranha atração pelo medo, que não é privilégio meu obviamente. E descobri que a coisa é saudável, pois o ser humano necessita extravasar o terror que habita seu íntimo – como o medo da morte – através de filmes, livros, histórias, coisa e tal. Jogando para fora esse sentimento ruim, acontece uma sensação de desafogo, de bem-estar. E esse processo começa ainda na infância com os famosos contos de fadas, povoados de bruxas e monstros. Freud já dizia que narrativas apavorantes são necessárias para a construção do psiquismo das crianças. Muito proveitosa a pesquisa. Aprendi que não é preciso fazer ginástica cerebral para deixar mais leves os clássicos infantis. Nada de o lobo vomitar a vovó e Chapeuzinho. O negócio é deixar o bicho estripado mesmo, conforme a versão original.

 

Então, preparados? Porque agora vou contar um fato absolutamente real, ocorrido numa linha cujo nome nos reporta a um número de dois algarismos… Como é do meu feitio, revelarei o pecado e nada do pecador. Minha boca é um túmulo. Não direi nem o nome do município, que, aliás, continua na briga “emancipa X não emancipa”. Pudera! Com tanto pêssego, uva e maçã, ninguém quer perder a “Cuccagna”. Nessa comunidade, a senhora responsável pela manutenção da sala mortuária, cumpria as tarefas rotineiras – ajeitar um candelabro aqui, um guardanapo ali, um vasinho acolá… Endireitar a cruz de prata, borrifar aroma de alfazema, baixar a cortina… Trancar as janelas, passar a chave na porta, fazer uma reza… Amém!

 

Embora estivesse tudo nos trinques, no caminho de volta a casa, a mulher sentia-se meio esquisita, com uma sensação inexplicável de desassossego, de aflição, como se faltasse algo… A cada curva da estrada, ela olhava para trás, sem saber o que ou quem estava procurando… A noite não demorou a cobrir o lugarejo de trevas… As pessoas se recolheram, algumas, antes da novela das oito (que começa às nove), outras, logo depois. Todos roncavam quando ruídos estranhíssimos saídos da casa mortuária acordaram a vizinhança. A comunicação foi imediata. Arrepiados, os moradores mantiveram-se em vigília durante o resto da noite, orando pelas almas desarvoradas. Com a chegada dos primeiros raios de sol, uma quietude benfazeja caiu sobre a vila. Então um grupo liderado pela zeladora foi verificar o local. Com a mão trêmula, a mulher abriu a porta e… VAPT sobre ela. Um vulto de uns trinta quilos derrubou-a, latindo e abanando o rabo de felicidade. Era seu fiel escudeiro, o Totó, que cochilara lá dentro enquanto ela fazia o serviço.