Entre todas as camadas sociais e idades, o álcool é a droga com maior número de consumidores e dependentes em todo o país. Um levantamento recente da organização Mundial da Saúde (OMS) revelou um incremento de 43,5% no consumo de álcool no Brasil, somente na última década. Ainda segundo o estudo, 5,9% das mortes em todo o mundo estão ligadas direta ou indiretamente ao consumo de álcool, sendo que o percentual sobe para 25% entre pessoas de 20 e 39 anos. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD), Bento Gonçalves conta atualmente com mais de 1800 alcoolistas cadastrados, sendo que metade desse número está em acompanhamento ambulatorial sendo assistidos desde a fase de desintoxicação até a fase de reabilitação.

No entanto, o atendimento oferecido pela Administração Pública, com oferta de médico clínico, psiquiatra, psicóloga e assistente oficial, e o encaminhamento para clínicas de reabilitação como a Comunidade Terapêutica, quando necessário, são só os primeiros passos para quem está disposto a lutar contra o problema. Embora não haja uma estimativa precisa, os casos de reincidência são bastantes comuns, e atuar para manter a pessoa longe do álcool após a reabilitação é um processo para vida toda. E é para oferecer esse suporte que atuam os dois grupos de Alcoólicos Anônimos (AA) de Bento Gonçalves.

“Não é prometer parar de beber par sempre, mas dizer que não vou hoje”

A frase de R, que desde 1996 participa de um grupo de AA da cidade, ilustra como é o dia a dia de quem sofre de alcoolismo. Nesse sentido, o serviço dos grupos de apoio para evitar as recaídas e manter uma vida saudável são essências. “O programa é simples, não é nunca mais parar de beber é estar ciente da oportunidade de estar limpo hoje. Essa manhã acordei com o propósito de não ingerir álcool, de ter uma vida serena”, comenta.

Hoje são aproximadamente 40 pessoas, divididas entre o Grupo Bento Gonçalves, que se reúne na Escola Estadual Bento Gonçalves da Silva, nas quintas-feiras, e o Grupo São Roque, que se encontra no Departamento de Ação Social do bairro homônimo, nas segundas-feiras, que se unem para compartilhar ensinamentos e sugestões, fortalecendo a luta diária para se manter afastado do álcool. “O alcoolismo é reconhecido pela OMS como uma doença. E assim, ele precisa ser tratado. Toda a atuação médica é importante, no entanto, ele não tem cura e sem o apoio de um grupo que entenda essa pessoa é complicado que ela se mantenha em abstinência”, sublinha R.

Eu tinha perdido a moral, dignidade e não tinha nenhum crédito. Bebia para esclarecer problemas. Hoje, ainda há momentos que acabo perdendo a serenidade, mas nada me motiva a beber. Já visitei o inferno e não gostei do que vi

Há 23 anos participando do grupo, R pontua o auto-controle adquirido por meio da convivência e a transformação pela qual passou nesse período. “Com o tempo, nos tornamos mais conscientes da responsabilidade e tudo passa a ser tão natural, que tu deixa de perceber que vive numa sociedade onde impera a bebida. Não deixei de ir em festas e em nenhum lugar onde há álcool, não preciso acompanhar os outros”, pontua. “Recuperei amizades, crédito, a moral perdida, tenho uma nova vida”, finaliza.

 

“Milhares de pessoas já mudaram a vida aqui no AA”

De acordo com estudo da Faculdade de Medicina de São Paulo, 79% dos jovens com idade abaixo de 18 anos relataram já ter bebido alguma vez (Fotos: Reprodução)

A afirmação é de Bruno, um dos fundadores do primeiro grupo de AA da cidade, em 1990. De lá para cá, conforme conta são milhares as pessoas ajudadas, os amigos feitos, as evoluções do grupo e a transformação do problema dos alcoolismo em nossa sociedade.

Com uma história semelhante a de muitos colegas com quem hoje compartilha experiências, Bruno é um dos casos mais notórios de como o AA tem transformado vidas. Hoje, já são 39 anos sem beber e um casamento de 40 anos, que por muito pouco não terminou. “Não perdi a família, isso foi o mais importante. Foi por intermédio da minha esposa que fui obrigado a me internar em 1980. Primeiro tentei me tratar em casa, em 1982 tive uma recaída e senti que perderia a família. Resolvi me internar por conta e minha esposa me acompanhou” relembra.

Nas falas de Bruno, os exemplos se multiplicam e as realidades muitas vezes se assemelham com experiências de outros companheiros de grupo. “Antigamente me chamavam de bêbado e eu respondia que o dinheiro era meu e eu fazia o que queria. Era orgulhoso e prepotente, mas não tinha domínio da minha vida, o álcool é que me controlava”, comenta.

Quanto aos motivos para perder o controle, enumera exemplos de fácil compreensão, demonstrando o quão fácil é entrar numa situação como era a dele. “A pessoa começa a decadência espiritual em primeiro lugar, e depois material. São casos de falta de dinheiro, desemprego, depressão, tédio, pressão na empresa e tu começa a afundar. Para quem tem tendência ao alcoolismo isso tudo é uma mão na roda”, comenta.

Caminhos por avançar

Para ele, a atuação do AA traz inúmeras histórias positivas como a de R, seu apadrinhado, mas os quase 30 anos que atua frente ao grupo demonstram também falhas sociais e realidades que merecem ser melhor trabalhadas.  Além do avanço do consumo entre jovens e mulheres, acredita que ainda faltam medidas públicas para enfrentar o problema. “Na comparação de quem precisa, é pequeno o número de recuperação. Precisaria ter um pouco mais da força das entidades. É preciso um esforço maior dos assistentes sociais para fazer um trabalho para a pessoa não virar reincidente. Há na Comunidade Terapêutica, por exemplo, umas sete pessoas que conheço que já fizeram internação três ou quatro vezes. O Governo precisa trabalhar com essa gente”, protesta.

A opinião é compartilhada por R, que acrescenta a importância da Administração Pública e do AA atuarem em conjunto para fornecer ajuda e prevenir novos casos de alcoolismo. “Na minha opinião enquanto cidadão, a nível de prevenção, o serviço público deixa a desejar. Fazem as Baladas Seguras, mas não encaminham, não informam, não orientam a pessoa com problema a buscar ajuda. É preciso estar em ação com o pessoal das áreas da saúde e educação para que eles possam ser agentes multiplicadores de nossa mensagem”, conclui.

O que é o AA?

Os Alcoólicos Anônimos é uma comunidade com caráter voluntário de homens e mulheres que se reúnem para alcançar e manter a sobriedade por meio da da abstinência total de ingestão de bebidas alcoólicas. Estes grupos autônomos surgiram inicialmente em Akron, nos EUA, em 1935. Hoje, o AA está presente em 180 países, mais de dois milhões de pessoas já alcançaram a sobriedade com a irmandade.
O AA funciona com base no Programa de 12 passos, 12 tradições e 12 conceitos e fundamenta-se no anonimato de seus membros. A irmandade divide-se em grupos locais, que realizam reuniões regulares nas quais os participantes conversam sobre suas experiências com o alcoolismo e com o tratamento da doença. Para ser membro de AA, o único requisito é ter o desejo de parar de beber.

Al-Anon: Ajuda para toda a família

Em paralelo ao encontro dos AA, ocorre o Al-anon encontros de grupos de parentes e amigos de alcoólicos que compartilham suas experiências e conselhos a fim de solucionar os problemas que tem em comum. Em Bento, há um grupo no São Bento e outro no São Roque, as reuniões são no mesmo horário das do AA.

 

Datas dos encontros:

. Grupo Bento Gonçalves

Quintas-feiras, às 19h30
Rua Maceió, 26, na Escola Estadual General Bento Gonçalves da Silva

. Grupo São Roque de AA
Segundas-feiras, às 20h
Rua Osires Martuchelli, 40, Bairro São Roque, Departamento de Ação Social São Roque

 

Você tem problema com alcoolismo ou conhece alguém que tenha? Entre em contato com o AA pelos telefones (51) 99612.8040 ou (54) 991939596. Mais informações pelo aaserragaucha.com.br