A reportagem é alvissareira. Parece faltar só um pingo para que a Gota d’Água volte a funcionar. Ficamos felizes. Afinal, não podemos fechar as portas aos autistas, como já fechamos, sem nunca abri-las, para as meninas em situação vulnerável. Eu sei, eu sei: mudou a Legislação, o Estatuto da Criança e do Adolescente, bla-blá-blá, blá-blá-blá, e o Lar precisou ser adaptado a novas possibilidades. Ao menos, a máxima se concretizou: “quando uma porta se fecha, uma janela se abre”.

Voltando à casa dos autistas: a série de reuniões de estudo (como se fazem reuniões neste Brasil!) estão sinalizando a reabertura da Gota D’Água. Importantíssimo para as famílias que buscam um auxílio especializado a fim de tornar mais fácil a vida de seus familiares com autismo e, por extensão, as suas próprias. Quem já teve contato com portadores da Síndrome sabe como é difícil penetrar no mundo deles, trancado a sete chaves. Metaforicamente falando, os autistas são ostras dentro de conchas, produzindo pérolas inacessíveis aos cidadãos comuns. É preciso não só de afeto e determinação para se ter acesso ao interior dessas pessoas, mas também de formação específica. É isso que queremos aos autistas.
Mas existe outra Síndrome que, por si só, não é condição impeditiva para uma vida quase normal. No entanto, ela costuma vir associada ao autismo. É a Síndrome de Asperger, cuja principal característica é a incapacidade de compreender a linguagem figurada. (Vocês pensam o quê?! Sou formada pela série norte-americana, “Dr. House”),

O cinema vem abordando o tema há anos. Assisti a alguns filmes, dentre os quais Rain Man, onde o personagem de Dustin Hoffman, com algumas habilidades mentais elementares seriamente comprometidas, é um gênio em outras. Para ele, memorizar um guia telefônico é infinitamente mais simples do que amarrar os cordões dos sapatos.

Em Testemunha do Silêncio, de 1994, um menino autista que assistiu ao massacre dos pais, só consegue abrir uma fresta de seu mundo interior para um psicólogo, cuja ponte é construída com carinho e determinação.

Já em Adam, o personagem, com Síndrome de Asperger, é um inteligentíssimo astrônomo com dificuldades de relacionamento. Ao se interessar pela nova vizinha, uma professora, começa a reconhecer sua deficiência, que é levar tudo ao pé da letra. Ela, na qualidade de interlocutora, faz a tradução das metáforas, possibilitando assim que ele possa ter um mínimo de interação com a sociedade.

Pelo que sei, não tenho Asperger, mas vejam que situação: há uns anos, consultando um profissional da área da saúde, fui aconselhada a fazer uma cirurgia na coluna, pois, segundo ele, se não a fizesse, em breve, perderia o pé. Foram estas as suas palavras:

-A senhora pode acordar, de manhã, sem o pé.

Fiquei perplexa! Meu pé, lá, atrás, e eu me movimentando feito Saci Pererê… Só depois de alguns preciosos segundos, captei a mensagem.

O tempo passou, minha coluna resmunga mais ainda por causa do peso que carrega, mas continua livre de parafusos “vencidos”, e meu pé, acompanhando o tranco… Graças a Deus!