Das redes sociais para a vida real, golpistas fazem vítimas se apaixonarem, tiram dinheiro e bens delas, depois vão embora. Psicóloga e delegado dão conselhos sobre como agir nesses casos

Desde que um homem foi indiciado em inquéritos nos municípios de Farroupilha e Caxias do Sul por dar golpes amorosos, o assunto veio à tona. O jovem Guilherme Selister, de 27 anos, conversava com as mulheres pelas redes sociais e mentia sua profissão, se dizendo militar do Exército e da Marinha, nutricionista, cardiologista, veterinário e bombeiro. Para enganar as vítimas, ele afirmava que tinha que realizar uma cirurgia no cérebro e, dessa forma, elas ‘emprestavam’ dinheiro. Valores que nunca mais retornaram às donas.

A história é parecida com um caso internacional que virou série na plataforma de streaming Netflix, ‘O Golpista do Tinder’. Neste caso, o israelense Shimon Hayut conquistava mulheres para aplicar golpes. Sua estratégia era estar sempre vestido com roupas de grife, levar as vítimas a hotéis de luxo e postar fotos esbanjando riquezas nas redes sociais. Ele fingia ser um bilionário do ramo de diamantes, e até dizia se chamar Simon Leviev. Após fazer as mulheres se apaixonarem por ele, começava a tirar dinheiro delas.

O perigo está perto

Em Bento Gonçalves, diversos crimes cibernéticos já foram registrados, como o golpe dos nudes, por exemplo. Trapaças amorosas de outro nível, envolvendo estelionato e contato presencial, também podem acontecer. Uma mulher de 34 anos, que prefere não se identificar, quase ‘caiu na lábia’ de um golpista. Segundo ela, o contato iniciou pelo Instagram. “Ele começou a me seguir, me mandou uma mensagem e respondi com educação. Começamos a trocar algumas frases, para nos conhecermos”, conta.

Conforme os dias passaram, o golpista começou a fazer muitas promessas para ela, e dizia morar nos Estados Unidos. “Ele falava muitas coisas, do tipo: quero que você seja minha esposa, minha parceira de vida, te dar o que nunca teve, essas coisas. Por mensagem era muito carinhoso, a ponto de se preocupar quando eu andava de ônibus, por exemplo. Ele dizia que odiava isso, pela minha segurança”, relata.
Sobre o perfil dele nas redes sociais, a vítima afirma que não tinha muitas fotografias. Fotos com a filha e algumas frases, além de imagens em festas luxuosas era o que poderia ser visto. “Não conversamos por chamada de vídeo, mas em alguns momentos tinha pensado em fazer isso. Conversávamos pelo WhatsApp, Instagram e Telegram”, salienta.

A desconfiança e posterior ‘término’ iniciou em conversas por aplicativo. “Estávamos conversando e, de repente, não funcionava mais. Ele me mandou mensagem pelo Instagram dizendo que estava com problemas no telefone, com a operadora, e que ia comprar um novo aparelho celular. Quando comprou, falou comigo através de outro número. Isso aconteceu mais uma vez. Ele dizia que ia trocar de aparelho. Na segunda vez, falávamos pelo Telegram”, explica.

Em outro momento, o suposto empresário disse que iria comprar uma casa em São Paulo, para poder trabalhar no novo empreendimento, e enviou fotos de uma mansão, pedindo se a mulher aprovava a compra. A gota d’água foi a contradição em uma conversa, que a fez perceber que o homem não era alguém bem-intencionado. “Quando ele falou que não queria que eu andasse de ônibus, pois nem a filha dele andava, que ela já tinha seus dois carros. Mas aí lembrei que ela teria 12 anos”, relembra.

Após esse episódio, ela percebeu que se tratava de um golpe, mas continuou ‘dando corda’ para ver até onde o golpista iria. “Sei que é perigoso e não acho que outras mulheres devam fazer isso, muito pelo contrário. Continuei conversando, como se acreditasse nele. Até que um dia, ele disse que ia fazer compras com a filha, e pediu se eu queria algo. Disse a ele que não teria como ele me enviar dos EUA. Ele disse que eu tinha razão, então faria uma transferência para mim, com dinheiro suficiente para comprar um carro novo e também me dar alguns mimos. Logo ele enviou uma imagem, de uma suposta transferência, no valor de 30 mil dólares, e que entraria direto na minha conta”, narra.

O dinheiro prometido, porém, nunca chegou às mãos da mulher. “Passaram-se dois dias, mais ou menos, quando ele disse que ia ver com o gerente dele o que estava acontecendo. Pouco tempo depois, um número estranho me mandou uma mensagem no WhatsApp, dizendo que era do atendimento eletrônico do Banco Central do Brasil. Pediram para eu me identificar e questionaram se estava aguardando uma transferência da Califórnia, em nome dele. Respondi que sim”, menciona.

Por mensagem, o suposto ‘Banco Central’ informou que a transferência estaria bloqueada. “Para fazer a conversão e o registro eu teria que pagar os impostos de transferência internacional, no valor de mais de R$ 7 mil, e precisava ser através de transferência, depósito ou PIX. Aí tudo fez sentido. Quando ele me chamou novamente, falei que tinha alguém tentando tirar dinheiro de mim… Ele ficou assustado, me pediu quem era. Mandei o print do número. Depois, quando voltou a falar comigo, questionando se ainda não havia recebido, eu respondi que não, e ele disse que eu deveria pagar os impostos para receber o dinheiro, insinou que eu estava bêbada e que ele estava ficando muito aborrecido”, sublinha.
Imediatamente a ‘quase vítima’ bloqueou todas as formas de comunicação que tinha com o golpista. Ele nunca mais entrou em contato com ela, de nenhuma forma. “Fiquei imaginando se ele era mesmo dos EUA e tinha alguém do Brasil, junto nesse golpe. E se alguém realmente cairia nessa, já que transferir dinheiro de um país para o outro é bem simples hoje em dia”, destaca.

Consequências psicológicas

De acordo com a psicóloga Viviane Tremarin, em golpes amorosos, piores do que os prejuízos financeiros são as marcas emocionais que permanecem. “A autoestima e a autoconfiança de alguém que passa por isso ficam muito abaladas, porque é comum que a vítima pegue a culpa do que aconteceu para si. Então elas passam a se ver como burras, manipuláveis e não dignas de receber aquele afeto recebido do golpista, de alguém real, e tudo isso se transforma em vergonha, culpa e raiva de si”, cita.

Para Viviane, as consequências de um golpe amoroso se assemelham às de um relacionamento abusivo, já que ambos configuram violência psicológica. “Elas podem variar desde a depressão e ansiedade, até pensamentos suicidas, além de poder provocar alterações no sono, distúrbios alimentares e abuso de álcool ou outras substâncias. É importante ter em mente que a culpa é somente do golpista, ele é quem deve se sentir envergonhado de se beneficiar da vulnerabilidade das outras pessoas, afinal, todos nós, até os mais estudados, não estamos livres de nos deixar seduzir por ‘alguém perfeito”, sublinha.

O tratamento psicológico, nesses casos, se mostra importante quando o ocorrido impede a vítima de ter uma vida normal, se a situação traz à tona pensamentos catastróficos sobre o futuro e sobre si, a partir do momento em que as relações começam a ser prejudicadas pela desconfiança ou há uma piora na qualidade de vida como um todo, segundo a profissional. “A psicoterapia pode ajudar a vítima e reencontrar a autoestima e a autoconfiança que ficaram abaladas, a fazer as pazes com o passado, a desenvolver autoconhecimento para fortalecer a si, além de ser um espaço sem julgamentos aonde o sofrimento dela será ouvido, acolhido e compreendido”, esclarece.

Para evitar consequências psicológicas, como medo de se relacionar com outra pessoa, Viviane destaca que algumas atitudes podem ser tomadas. “É importante ter em mente que ela não é culpada pelo que aconteceu e, sendo assim, não precisa se envergonhar de cair no golpe. Há pessoas que agem de má fé, mas também existem outras que estão dispostas a amá-la da maneira que ela merece. Que ninguém está livre de passar por isso, mas desenvolver alguns comportamentos pode ajudá-la a se sentir mais segura na hora de iniciar outra relação, como adicionar nas redes sociais apenas quem conhece pessoalmente; prestar atenção se a pessoa gosta de fazer muitas perguntas pessoais, mas não fala muito sobre si; tenta pular as etapas do relacionamento e se mostra muito apaixonado em pouco tempo; dá desculpas para não se encontrarem ou se verem por ligação de vídeo”, aponta.

Por mais que haja essa autoproteção, lidar com as consequências pode ser doloroso. “É essencial procurar acolhimento familiar ou com amigos que não vão julgá-la pelo ocorrido. O melhor é buscar ajuda profissional para entender e lidar com o trauma” salienta Viviane.

A psicóloga recomenda que, ao descobrir o golpe, que bloqueie o contato das redes sociais imediatamente, e não desbloqueie em hipótese alguma. “Procure a orientação de um advogado, registre um boletim de ocorrência, e se necessário, entre em contato com o banco para bloquear cartões e contas. É indicado que se procure autoridades mesmo diante de ameaças. Compartilhar nosso estresse, ansiedade e preocupações com os outros pode ajudar a processar sentimentos difíceis. Não há problema nenhum em admitir que está em risco, vulnerável ou se sentindo solitário”, ressalta.

Como não se apaixonar por um golpista?

Conforme Viviane, nem sempre é possível controlar as questões do coração, principalmente quando a possibilidade de um relacionamento parece resolver todos os vazios sentidos. “Os golpistas usam a carência afetiva, o desejo sexual e a fragilidade das vítimas para efetuarem os golpes, desviando-as do pensamento racional. Nossa existência depende da vida em sociedade, e mais do que conviver com o outro, nós queremos ser amados por eles, e esse querer pode se tornar uma armadilha quando não estamos atentos aos sinais”, expõe.

A profissional evidencia, ainda, que não existe uma fórmula que impeça de cair em golpes ou sofrer violência, afinal, a culpa nunca é da vítima, mas é importante ter o ‘desconfiômetro’ ligado na hora de interagir com pessoas nunca vistas pessoalmente. “Uma dica para evitar se apaixonar por um golpista é identificar que tipo de vínculo está sendo formado. A ideia de alguém completamente apaixonado por nós é muito tentadora, mas precisamos lembrar que o afeto se constrói com o tempo, e que alguém ‘desesperado’ para ter um relacionamento ou que se mostra muito empolgado com a relação logo no início, como se tivesse encontrado o amor da vida, mas que nem nos conhece direito, pode estar erguendo bandeiras vermelhas sobre as reais intenções”, alerta.

Outra forma de se proteger é entender quais são os ideais de relacionamento a serem alcançados no futuro. ”Como é a pessoa que desejamos e sonhamos? Quando encontramos alguém interessante, conseguimos ver quem ela é ou só vemos esse sonho ideal que criamos? É mais fácil cair em golpes e em relações destrutivas num geral, quando estamos apaixonados não pelo golpista, mas por esse sonho que criamos e esperamos que o outro realize. Analise três pontos básicos da relação: se há boa fé, lealdade e transparência”, orienta.

Atitudes imediatas

O delegado Renato Nobre Dias, da 1ª Delegacia da Polícia Civil de Bento Gonçalves afirma que os golpistas têm um modus operandi disfarçado, e que não costumam mostrar de cara que são estelionatários. “A maioria esmagadora registrada são de homens que aplicam golpe em mulheres, pouquíssimos casos são o contrário. Eles se aproximam da vítima através de redes sociais, principalmente por sites de relacionamento, marcam um encontro, e em alguns casos, até entram em um relacionamento mais sério, um namoro e, aos poucos ele vai se apropriando de bens, pedindo empréstimos, contando mentiras e consegue, em um segundo momento, fugir sem deixar informações”, explica.

Dias realça que o golpista, normalmente inventa algumas mentiras que tem como descobrir, de um local de trabalho que ele não vai, uma profissão que ele não tem, um curso que ele não é formado. “Ficar atento a esse tipo de informações, principalmente a pessoa que está sozinha na cidade, não tem família aqui”, aconselha.

Quando a vítima começar a desconfiar que o parceiro é um estelionatário, o delegado aconselha que o ideal é ela registrar uma ocorrência, principalmente na Delegacia da Mulher, que tem uma equipe preparada. “Existem medidas protetivas que o juiz pode determinar a devolução de bens patrimoniais, já de imediato. O ideal é ela pedir essas medidas, mas vai depender de cada caso”, aponta.
O delegado sugere que, a fim de evitar esses golpes é possível prevenir, perguntar de familiares, amigos, buscar informações dessa pessoa. “Geralmente os golpistas ficam um tempo na cidade, aplicam golpe e, assim que possível vão para outra”, conclui.

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