São os homicídios que estão apontando Bento como a cidade mais violenta da Serra, conforme o Atlas da Violência 2019. A explicação das forças de segurança é o crescimento das facções e a briga pelo controle de pontos de tráfico. Para diminuir esses índices, a Polícia Civil (PC) aposta no combate às organizações criminosas, que encontram na Capital do Vinho um solo fértil para a comercialização de drogas. Somente nesse ano, foram 43 mortes violentas, quase chegando ao número total do ano passado, que foi de 52.

Para tentar esclarecer os casos e indiciar os envolvidos, a PC montou uma força-tarefa, que está se dedicando somente aos homicídios ocorridos durante esse ano e que ainda estão sem uma conclusão. Ainda há 33 mortes não solucionadas. Segundo o delegado regional, Paulo Rosa da Silva, o trabalho, que está sob a coordenação do delegado Adriano Linhares, terá a duração e três meses. “Nosso objetivo é atacar as oganizações criminosas. Dos casos que estão em andamento, 30 são relacionados a facções”, diz.

Silva cita o último caso ocorrido na cidade, quando Felipe Rodrigues de Freitas, de 29 anos, foi morto com disparos de arma de fogo que atingiram a região da cabeça. O fato ocorreu no KM 2, no distrito de Tuiuty, na terça-feira, 24. O carro que ele estava utilizando era de uma amiga e foi encontrado queimado em Farroupilha. “A morte dele tem vinculação com fatos anteriores. Ele e a mulher que emprestou o carro eram ligados à facção dos Manos”, declara.

Os Manos x Os Abertos

Para o delegado, o problema todo está no mercado fértil para a venda de entorpecentes. “O tráfico é muito forte, a aquisição é muito grande, aí ocorre essa disputa por determinadas áreas. Alguns pontos de drogas são exclusivos de uma facção. Quando a outra entende que assumiram o espaço deles, começa esse confronto. As mortes são sempre relacionadas umas com as outras. A facção dos Manos mata alguém dos Abertos, aí eles vêm e dão contraponto”, destaca.

Silva afirma que as facções estão muito fortes em Bento. “Elas têm vinculação com Caxias do Sul e com a região metropolitana. As lideranças desses grupos criminosos, em sua grande maioria, já estão presas. O objetivo agora é apurar quem são os executores dos homicídios”, afirma. Porém, mesmo de dentro do sistema prisional, eles continuam dando comandos para os faccionados, como foi o caso da cachina que ocorreu no Bar dos Amigos, em junho, e deixou cinco mortos.

A ordem partiu de dentro do Presídio Regional de Caxias do Sul, onde estava Valdeni Alves da Silva, liderança dos Abertos, uma subfacção dos Balas na Cara. O delegado regional fez o pedido de transferência do criminoso para a Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). “Mesmo presos, eles continuam dando comando. A gente apreende um celular, logo estão com outro. No momento que é feita a transferência, eles têm que se reorganizar. O objetivo é minimizar a influência deles”, pontua.

Trabalho em conjunto

O delegado regional valoriza o trabalho feito juntamente com o setor de inteligência da Brigada Militar (BM). Ele destaca a ação feita no KM 2, distrito de Tuiuty, local utilizado como “quartel-general” da facção Os Abertos. Foram presas cinco pessoas e apreendidos armamentos, drogas, dinheiro e veículos. “As armas serão enviadas para perícia, para identificar em quais homicídios foram utilizadas. Estamos tentando identificar todos envolvidos. Já há mais mandados de busca em andamento”, salienta.

“São batalhas, a guerra nunca chega ao fim”

O delegado do 2º Distrito Policial de Bento Gonçalves, Álvaro Becker, salienta que o combate às facções é feito diminuindo seu poder econômico. “Há poucos dias foi feita uma operação em todo estado, onde foi tirado de uma facção uma grande quantidade de veículos, dinheiro, drogas e armas. Isso enfraquece eles, mas a gente tira de um lado, o outro já está mais forte. São batalhas, a guerra nunca chega ao fim”, declara.

Facções se organizam em células

Segundo Becker, essas organizações criminosas têm facilidade em recrutar membros. Quando um “soldado do crime” morre ou é preso, logo outro assume o lugar. “É uma luta inglória. Mas quem entra no crime sabe que sua vida ali é curta”, afirma. O delgado diz que as facções se dividem em células. Há grupos em diversas cidades, porém a atuação é local. Só há, o que ele define como “mistura”, quando membros recebem a instrução de fazer uma “limpeza” e vão para outro município com a finalidade de executar alguém.

Feminicídios

Somente nesse ano, Bento Gonçalves registrou dois feminicídios consumados e três tentativas. A titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), Deise Salton Brancher, diz que a maioria dos casos foram praticados em âmbito doméstico e familiar, pelos companheiros das vítimas. Esse é caso da morte de uma mulher de 29 anos, que foi esfaqueada por seu ex-companheiro, que não aceitava o fim do relacionamento.

O único caso que foge dessa regra é a morte de Josene Peterle, 37 anos, que foi encontrada morta no fundo de uma casa abandonada no bairro Juventude. O fato ainda não foi esclarecido. “Essa ocorrência foi classificada como feminicídio nao pelo âmbito doméstico familiar, mas pelo desprezo pela vítima. Ela foi encontrada nua, de bruços, machucada, esganada. Representa um desprezo pela condição de ser mulher”, esclarece Deise.

Casos com autoria descoberta

Fevereiro
Um adolescente foi apreendido pela morte de Edson Klaus Luchini, de 31 anos, e pela tentativa de homicídio de Francine Caroline Grassi Barbosa, de 19 anos. O caso ocorreu no bairro Maria Goretti, dia 14 de fevereiro.

Maio
A gestante Andressa Weber Erbice, de 24 anos, foi morta por disparo de arma de fogo no dia 21 de maio, no bairro Santo Antão. A investigação descobriu que o crime foi planejado pela ex-companheira do namorado de Andressa. O executor foi um menor, genro da mandante. O crime envolveu, ao menos, seis pessoas. Todos possuíam ligação familiar.

Junho
No dia 7 de junho, uma chacina deixou cinco mortos no Bar dos Amigos, bairro Municipal. O crime ocorreu por conta de uma briga de facções, onde Os Abertos fizeram uma emboscada para eliminar os rivais da Os Manos.

Agosto
No dia 6 de agosto, Leonardo Jean Farezin Waskievicz, 24 anos, foi morto em confronto com a BM, após perseguição da polícia de Encantado. O fato ocorreu no Morro da Antena, Vale dos Vinhedos. Após o caso, a PC descobriu que o irmão do Leonardo, William Farezin Waskievicz, 33 anos, planejava se vingar efetuando um ataque à BM de Bento. Ele e uma mulher foram presos em Caxias do Sul com posse de explosivos, centenas de munições e drogas.

Uma mulher de 29 anos foi morta a facadas pelo ex-companheiro no dia 11 de agosto, no bairro São Francisco. Ele não aceitava o fim do relacionamento. O homem foi localizado logo em seguia pela BM e confessou o crime.

Setembro
Pedro Nunes Borges, 62 anos, foi encontrado morto dentro de sua residência no bairro Eucaliptos, na manhã do dia 10 de setembro. A investigação ficou a cargo da força-tarefa, que descobriu que a motivação era briga entre facções. Um menor foi apreendido no mesmo dia do crime e os demais envolvidos serão indiciados em inquérito a ser encaminhado ao judiciário.

Os demais casos com autoria identificada não foram divulgados para não atrapalhar as investigações, já que o inquérito ainda não está concluído.