Depois que Josefina (nome fictício), a melhor amiga da minha tia, que mora no interior, capitulou diante dos modismos, conclui que o mundo não tem mais solução.

Definitivamente, o fim do homem (não o fim dos tempos) está mesmo próximo.

Josefina só conhecia o caminho das coisas simples e verdadeiras, agora só saber de futilidades. Vivia offline para as modernidades compradas em salões de beleza, shoppins centers e bazares da vida. Falava que botox, tinta de cabelo, bolsas com milhões de coisas maravilhosas penduradas, não a afetariam nunca.

Sempre fui muito pegado a Josefina por causa dessa maneira dela de não se curvar as artificialidades da vida. Gostava quando ela dizia que cabelo branco pode ser pintado, gordura localizada pode ser aspirada, nariz tortão pode ser endireitado, lábios finos podem ser engrossados, mas não tem como passar a ferro ideias enrugadas.

Josefina era assim: ia a missa para reafirmar sua fé, porém não eram dessas que vivem esfolando os joelhos nos bancos da igreja. Ia a missa só aos domingos, mas professava sua fé todos os dias com atitudes, não com palavras. Bebia de todos os rios e de todas as fontes.

Josefina não sofria de insuficiência intelectual. Era inteligente a seu modo. Sabia das coisas, muito embora não acreditasse que o homem pisou na lua. Tudo invencionices de uns doidos que não têm mais o que inventar, conforme ela.

Josefina sabia que a palavra “Entusiasmus” em latim significa “Repleta de Deus”, mas não juntava ideia de que o universo é repleto de galáxias. Josefina sabia que a pimenta existe para perturbar as hemorróidas e que as encruzilhadas existem para perturbar o indeciso, contudo não sabia que os aerossóis existem para perturbar a camada de ozônio.

Gostava dela falando excitada nos olhos, enrolando um cacho de cabelo com o dedo. Gostava de escutar os longos silêncios dela, enquanto parecia estar contando as estrelas de Bilac. Gostava de ouvir suas previsões do tempo consultando o próprio joelho (se o joelho doesse, era sinal de chuva próxima).  Gostava de acompanhá-la, passos em atropelo, pela trilha dos cabritos .Gostava de vê-la dobrando a toalha bordada para os grandes dias, as datas festivas como a Páscoa e o Natal.

Josefina era desse jeito: espantada com os banhos durarem mais do que alguns relacionamentos. Não conseguia entender como tínhamos edifícios tão altos se conseguem apenas aumentar a nossa sensação de pequenez.

Há um ano, Josefina mudou do interior para a cidade.
Imagine que Josefina apareceu dia desses lá em casa. Não a reconheci. Tomei um choque.

Os cachos simplesmente desapareceram por força e obra da “chapinha”. Os cabelos brancos deram lugar à cabelos cor de abóbora. Implementou várias modificações em seu visual. Não aludia mais aos paradoxos do nosso tempo em que se faz grandes coisas, porém não melhores.

Tempo em que se multipla as posses, mas não os valores. Tempo em que aparência conta muito mais do que a essência. Tempo em que se cobre as ruas da cidade com asfalto e cocô de cachorro.
Josefina não é mais o que era. A vida e o gosto pelos valores nobres foram para o raio que o parta. Trocou os odores naturais por cosméticos. Trocou a missa na igreja pelo passeio no shopping com as “meninas” (que é como refere às amigas da terceira idade). Trocou a boa massa caseira pela comida servida em fast-food.

Quase pirei quando Josefina soprou no meu ouvido com um sorriso malicioso:
– Tô até usando fio-dental na praia.
Diante da confissão, caí no meio fio e quase quebrei o queixo…