Entenda como isso impacta os partidos e os eleitores

A federação partidária, que consiste na união de dois ou mais partidos para atuarem como se fossem um só, vai estrear nas eleições federais deste ano. Ao contrário das coligações, que não podem mais ser feitas nas eleições proporcionais (deputados e vereadores), não poderão ser desfeitas depois da disputa eleitoral.

Os partidos que formarem federações deverão se manter unidos por, pelo menos, quatro anos, funcionando como um único partido no Congresso, dividindo Fundo Partidário, tempo de televisão e unificando o conteúdo programático. Já as coligações são formadas para a eleição e, ao final, dissolvidas.

O doutor em Ciência Política e professor do mestrado em Psicologia da Universidade de Caxias do Sul, João Ignacio Pires Lucas, explica que a legislação partidária no Brasil é relativamente flexível. “Os partidos precisam ser nacionais, diferentemente de outros países, como por exemplo, os Estados Unidos, que também é um país com estados, e o sistema eleitoral dele é estadualizado. No Brasil é um pouco diferente, para que os partidos consigam registro, reconhecimento no TSE [Tribunal Superior Eleitoral], eles precisam ter uma quantidade mínima de diretórios ou comissões executivas em estados e municípios”, explana.

Segundo ele, o Brasil tem se mantido na casa de mais de 30 siglas partidárias. “Temos 32 partidos e uns 22 ou 23 tem bancadas na Câmara Federal. Há um indicador que é calculado, por exemplo, partidos efetivos do parlamento, que tem a ver com a proporcionalidade do peso das bancadas. Então, o Brasil é o que tem o maior índice, mas há uma dispersão, porque os maiores têm, comparativamente com outros países, poucos deputados”, frisa.

Medidas para diminuição do número de partidos

De acordo com Lucas, a legislação eleitoral tem criado algumas medidas para filtrar a quantidade de partidos. “Tivemos em 2017 algumas emendas constitucionais, a existência de cláusula de barreira nas eleições para deputado federal, no sentido de que os que não ultrapassassem aqueles critérios, começariam a sofrer com perda do fundo partidário, a impossibilidade de terem bancadas, usufruir de benefícios no legislativo e alguns outros elementos. Dos nossos 32 partidos, um pouco menos da metade já não tem mais acesso privilégios”, explana. 

O professor elucida que o mecanismo para permitir que os partidos possam sobreviver é o das fusões. “Existe uma discussão no Brasil sobre a reforma política. Há sempre uma preocupação, não só com a quantidade, mas com a dispersão do voto, especialmente para deputado federal, por termos muitas bancadas. As coligações que elegem a chapa para a presidência não conseguem obter maioria para poder governar e até para não sofrer impeachment. Então, eles precisam atrair muitas vezes inimigos ideológicos, de oposição ou que não haviam concorrido. A vedação das coligações, que já aconteceu nas últimas eleições municipais, busca também evitar que os partidos pequenos entrassem na carona em chapas ou listas para os deputados federais”, aponta.

Ainda segundo ele, as cláusulas de barreira não podem evitar a eleição de um parlamentar por exemplo, mas se um partido elege poucos candidatos, a tendência é que seja incorporado e faça uma aliança com outros. “Já tivemos isso nas últimas eleições, de uns dois, três fazerem fusões, nesses quatro últimos anos. Agora, temos visto também alguns também fazerem coligações pelas próprias reacomodações do sistema eleitoral. Há uma expectativa, ainda maior a partir das eleições deste ano, na redução da quantidade de partidos e que os que ocupem os assentos do parlamento possam ter uma relação direta ou com a situação ou com a oposição para facilitar a vida do governo”, ressalta.

Federações tentam ir em um caminho inverso

Na contramão das medidas, o docente expõe que as federações estão no caminho oposto para diminuição do número das siglas. “Até pela pressão pelos partidos, alguns são históricos que temem a necessidade de serem incorporados em maiores, sob pena de eles não acessarem mais os recursos que existem, especialmente relacionado ao fundo partidário”, comenta.

O mecanismo seria uma forma de sobrevivência dos pequenos partidos. “Ele restringe muito a atuação mais independente deles, mas eles podem sobreviver por um bom período e o Brasil, talvez, ainda possa reverter essas medidas mais draconianas. É uma expectativa que existe, quase que algumas já foram flexibilizadas numa última transformação do ano passado e não se sabe se de repente, no futuro, até essas medidas se tornarão menos rígidas permitindo a manutenção das siglas menores. É uma tentativa deles sobreviverem, mas realmente já num contexto de adversidade”, salienta.

Com relação aos maiores, Lucas entende que os impactos seriam relacionados a sua reorganização. “Acho que a expectativa pelas regras estarem mudando, e pelas próprias questões políticas ideológicas, haja toda uma reacomodação. Os partidos históricos eventualmente tenham que se renovar sob pena de desaparecerem ou diminuírem muito. Nas próximas eleições vamos ter uma noção melhor, mas diria que o principal efeito é que com essas medidas, eles possam andar mais juntos, como as federações, sem cada eleição ter coligações diferentes. A ideia da diminuição da quantidade de partidos com bancadas no Congresso, especialmente na Câmara Federal, para fazer com que os próprios parlamentares e os partidos se aproximem mais dos seus espectros ideológicos e com uma nitidez mais forte entre oposição e situação”, prevê.

As eleições para este ano já têm data marcada: no dia 2 de outubro os brasileiros vão às urnas para escolher o presidente da República, governadores, senadores e deputados federais, estaduais e distritais.

Impacto para os eleitores

Com relação ao eleitorado, o professor acredita que a questão fique distante. “Ele se envolve, participa e entende pouco. O que talvez possa ser positivo é que com a diminuição das siglas, o eleitorado possa se movimentar mais nitidamente entre as opções existentes, mas isso não impede que as mesmas federações sejam marcadas por muitos grupos diferentes. O que as vezes é até pior, porque há uma perspectiva de até o eleitor poder ver que são candidatos distintos. São do mesmo partido, às vezes tem diferenças muito significativas e até pela questão do quociente eleitoral partidário, a pessoa vota em um candidato que não se elege, faz parte de uma lista que tem outros nomes muitas vezes diametralmente opostos ideologicamente, e o voto do cidadão pode acabar migrando. Ou seja, ele vota no vermelho e elege o azul e vice-versa”, evidencia.

Em síntese, o docente acredita que as medidas devem surtir poucos efeitos. “Todas elas tentam atingir a dispersão, mas os partidos políticos, as suas cúpulas e os principais parlamentares, sempre acabam encontrando mecanismos para poderem se fortalecer e utilizar essas forças sempre como barganha na hora de serem governo. Não vejo que isso possa afetar significativamente. Acredito que a própria reacomodação partidária, que estamos vendo em relação a novos grupos de direita, a esquerda precisando se fortalecer, acho que isso corre paralelamente e talvez seja mais importante do que essas medidas da legislação partidária eleitoral que produzem efeitos, mas que talvez não sejam tão relevantes. Que o eleitorado, muitas vezes, fica a parte disso e o próprio voto que ele tem não combine com essa busca da diminuição da dissolução”, conclui.