Clacir Rasador

A gravidade das denúncias de serviço análogo à escravidão, cujo processo judicial haverá de provar ou não a prática e extensão de tal crime por uma empresa prestadora de serviços contra cerca de 180 pessoas ou mais, é inconcebível sob qualquer ótica, independentemente de número, pois se trata do inestimável e maior valor, a dignidade humana.
Enquanto a necessidade de trabalho digno, e não outro, atravessou Estados, a notícia da barbárie da escravidão rompia em segundos o mundo digital sem fronteiras.
Certamente, quem sente a dor do outro, quem se identifica com o próximo em grau de igualdade, humanos que somos, sentiu e está a sentir uma dor no peito, até mesmo uma certa vergonha alheia, embora tal sentimento não possa ser medido e não se compara, em hipótese alguma, aos que denunciaram a dor da escravidão.
Não bastasse isso, o espinho da xenofobia eclodiu com o veneno do preconceito, seja na voz de vereador caxiense, na mais que desastrosa, criminosa manifestação contra o povo baiano, seja pelo fato em si, e, assim, arrastou injustamente para o banco dos réus uma cidade inteira e sua história.
Nas redes sociais, as origens europeias da colonização italiana passaram a ser alvo de críticas, mais que isso, preconceito coletivo, algo que se assemelha, e muito, ao pensamento da época do início da imigração ao Brasil (1870), havendo ainda registros mais recentes na década de 70, dentre os quais merece referência:
Os italianos eram classificados como pertencentes a uma ‘raça inferior’ ou constituintes de ‘uma estirpe de assassinos, anárquicos e mafiosos’. Numa interceptação telefônica em 1973, o presidente norte-americano Richard Nixon não pôde ser mais claro. Ele disse: ‘Não são como nós. A diferença já se nota no cheiro diverso que exalam, no seu aspecto diverso, no seu modo de agir diverso. O pior é que não se consegue encontrar um único que seja honesto’ (https://www.geledes.org.br/imigrantes-italianos-quando-os-refugiados-eram-eles/).

Na mesma esteira, Giralda Seyferth (in memoriam), antropóloga e autoridade que foi em temas como racismo preconceito e campesinato, bem como na luta contra o racismo e xenofobia, em seu artigo publicado na Revista Travessia, em abril/2005, denominado “Imigração, preconceitos e os enunciados subjetivos dos etnocentrismos”, refere:

Além disso, certas formas de categorização do conteúdo preconceituoso, embora situadas na jocosidade, impõem limites sociais: a expressão ‘linguagem macarrônica’ (ou ‘português macarrônico’), a generalização de categorias como ‘carcamano’ (que remete à desonestidade) e alemão batata, por exemplo, traduzem com precisão os significados dos estereótipos – tipificam, caricaturalmente, os membros de um grupo… De fato, podem ser identificados vários motivos para a exacerbação dos preconceitos em relação aos imigrantes e descendentes estabelecidos no país, particularmente aqueles que participaram do processo de colonização na região sul.

Quem diria, o árduo trabalho de nosso agricultor, colono com muito orgulho, é hostilizado, quando não ridicularizado. O produto de nosso suor é taxado de escravista, literalmente colocando todos no mesmo balaio. Até mesmo nossa fé em Santo Antônio, padroeiro de nossa cidade, é colocada em dúvida, venenos ideológicos seguem sendo destilados a partir da Pipa Pórtico, e muitos se fartam politicamente da desgraça alheia, referindo-me à dor do escravismo denunciado pelos trabalhadores.
Generalizar, tal infinitivo não traduz solidariedade, não traduz humanidade, alívio e/ou empatia à dor e sofrimento denunciado pelos trabalhadores, por consequência, jamais e tão pouco será uma forma de buscar Justiça. Seja na voz solitária, torpe e sem eco de alguém que não nos representa, seja na voz da multidão que anseia de imediato pela reparação do mal causado ao seu próximo, igual e irmão ser humano, o ato simplista e irresponsável de generalizar e/ou pré-julgar, ao contrário, seja causa ou efeito, tem sua marca registrada nos maiores pecados da ‘desumanidade’, e sempre será a forma mais rápida de expressar o sentimento de preconceito e discriminação.
É inconcebível dar alojamento à escravidão e igualmente inconcebível alojar e fomentar a discriminação contra um povo, sua origem, sua história.
Inspirados pela coragem dos trabalhadores que não se calaram e buscam Justiça – esperamos que esta venha ao seu tempo, mas não menos que célere – aprendamos com tal exemplo de nossos irmãos baianos e igualmente tenhamos coragem de defender os valores humanos, coragem de defender a nossa terra, não por bairrismo vazio, mas sim pela nossa pujante história, legado de nossos antepassados que aprendemos e vivenciamos dia a dia através do trabalho sério e honesto.
Reconhecida pela sua hospitalidade, pelas oportunidades de crescimento, nossa cidade Bento Gonçalves, continua e continuará de fronte erguida cantada em prosa e verso em seu hino, pois escravidão não está dentre nossos valores, a qual não nos pertence e repudiamos veementemente, e sim, nos orgulhamos de ser a Capital Brasileira do Vinho!
Paz e Trabalho, vamos em frente!