Quem passa pelo centro de Bento Gonçalves fica com a sensação de que há uma farmácia em cada esquina. E é quase isso. Num curto espaço, são diversos estabelecimentos do gênero. Um levantamento do Conselho Regional de Farmácia do Rio Grande do Sul (CRFRS), mostra que 47 drogarias estão à disposição da população na cidade. A concentração extrapola a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS), que recomenda que essa relação seja de uma para 10 mil habitantes. Em média, Bento Gonçalves registra uma farmácia a cada 2,4 mil moradores.

De acordo com os cálculos feitos por especialistas, 14 estabelecimentos seriam suficientes para atender a demanda local. Esse índice excede cerca de quatro vezes essa recomendação. Em uma década, o número cresceu 20,5% na cidade.

Para o coordenador do curso de Farmácia da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Diego Gnatta, um dos motivos para o crescimento desenfreado desses estabelecimentos pode ser pelo elevado consumo de medicamentos no Brasil. Com bases em pesquisas mundiais, entre 2007 e 2013, o país saltou da 10ª para a 6ª colocação no mercado farmacêutico mundial. A estimativa é de que, em 2017, o país chegue ao 4º lugar, ficando atrás somente de Estados Unidos, China e Japão. “Não podemos negar que a facilidade do acesso aos medicamentos, pelo elevado número de farmácias e drogarias, possa ser uma das causas do crescimento no consumo. O alto número de prescrições, muitas vezes sem necessidade e a busca por ‘saúde’ através de ‘pílulas’, ao invés da mudança do estilo de vida por parte da população também é um dos fatores”, acredita.

Ramo não enfrenta crise

Na avaliação do vice-presidente do CRFRS, Roberto Canquerini, o mercado farmacêutico é um dos poucos segmentos que cresce, independentemente da crise econômica ou política vivida nos últimos 20 anos. Ele acredita que o envelhecimento da população segue sendo um dos principais fatores para o financiamento do setor. “Temos uma população que vem envelhecendo, precisando de maior cuidado e de novas tecnologias em saúde. Tudo isso contribui para que o setor não tenha enfrentado crise, sendo esta uma realidade em todo o país”, afirma.

Dados de uma recente pesquisa do Instituto Datafolha mostram que mais de 72% da população brasileira afirma se automedicar sem orientação adequada. Em virtude disso, conforme Canquerini, “alguns estabelecimentos colocam sua rentabilidade à frente dos interesses de saúde da população no momento que praticam a chamada ‘empurroterapia’ quando fazem promoções do tipo leve 3 e pague 2”. Segundo ele, a autarquia questiona o incentivo feito pelos estabelecimentos ao uso desenfreado de medicamentos.

Para ele, outro aspecto é a falta de fiscalização por parte das vigilâncias sanitárias, principalmente, em relação à exigência de apresentação de prescrição médica para remédios com a tarja vermelha.

Conforme Canquerini, o CRFRS fiscaliza a regularidade dos estabelecimentos em relação à assistência farmacêutica, assim como as questões éticas relacionadas ao exercício profissional. No entanto, não há uma legislação federal que limite a abertura de farmácias. “Tentamos incluir na lei 13.021/14, que dispõe sobre farmácias como estabelecimentos de saúde, um artigo específico que limitava a abertura de novas farmácias de acordo com questões epidemiológicas locais, entretanto a força do mercado falou mais alto na disputa política”, lamenta.

Para Gnatta, os estabelecimentos fazem parte do comércio de produtos farmacêuticos. Como parte do varejo não há nenhuma barreira para conter o crescimento dos empreendimentos. Porém, ele questiona a quantidade excessiva de farmácias e os locais onde estão instaladas, muitas vezes, concentradas em áreas de maior movimentação, enquanto em locais mais remotos não chegam. “Atualmente, em Bento Gonçalves há aproximadamente quatro vezes mais farmácias do que o número recomendado pela OMS. É necessário um critério de zoneamento para a abertura desses comércios, pois grande parte concentra-se nos centros das cidades, não atendendo as demandas de saúde da população, como deveria ser”, pondera.

Educação em saúde

Para o coordenador do curso de farmácia da UCS, o grande problema está relacionado à dependência de fármacos pela população. Segundo Gnatta, é necessário trabalhar a educação em saúde, nas unidades pública e privada. “É preciso o engajamento, principalmente dos gestores em saúde, em promoção e prevenção, para reduzir a demanda por medicamentos e conscientizar a população para os riscos da automedicação irracional. O farmacêutico, como profissional, tem um grande desafio neste sentido”, acredita. “O que ainda carecemos é redobrar a fiscalização por parte da própria população, que deve cobrar a presença do farmacêutico, nos estabelecimentos. Só assim será possível regular melhor o setor, visto que as farmácias e drogarias compõem a rede de atenção à saúde e devem cumprir um importante papel social, inclusive realizando encaminhamentos a outros serviços ou profissionais, em situações que exigem cuidados especiais”, acredita.