Clacir Rasador

Acredito que uma das maiores dúvidas do ser humano é saber quem realmente eu sou. E da sua essência social, não é raro estendermos tal dúvida em relação a quem até então pensamos conhecer: será que essa pessoa é realmente o que parece ser?

Lembro-me que minha vó Carolina dizia, no dialeto italiano, o que ora transcrevo: “para conhecer uma pessoa, é preciso no mínimo comer polenta com ela por sete vezes”.

Na sabedoria dos antigos, era preciso conviver para conhecer, dialogar, ouvir, e nada mais sagrado para isso do que ao redor de uma mesa.

Agora, se quisermos turbinar esse conhecimento interpessoal, sugiro o que os especialistas denominam de experiência social: convide essa pessoa e/ou sua família e una-as à mesa nas férias.

Ocorre que férias, a meu ver são, ou pelo menos deveriam ser o prefácio do paraíso ou, na linguagem mais atual, o spoiler do mesmo. Antes de sair em férias, já se sente o espírito mais leve, o semblante menos carregado, embora o corpo geralmente retorne mais…pesado.

Nas férias, a tendência é que a pessoa se dispa de alguns estereótipos e até mesmo de algumas armaduras ou carapaças que as fazem enfrentar o intrincado dia a dia, e não estou aqui a me referir à falsidade, de forma alguma, embora saibamos que possa existir, mas ao esforço sincero e camaleônico no campo do trabalho, familiar e no meio social em que vivemos.

Esse clima de liberdade tende a despertar nas pessoas o seu verdadeiro eu, sem amarras, o que é maravilhoso, muitas vezes desconhecido dela própria, a ponto de até mesmo alguém de seu convívio mais próximo se surpreender: “nossa, eu não sabia que ele/ela era assim… assado”. Por outro lado, lembre-se: não se trata do paraíso, somente spoiler dele; logo, importante preparar-se igualmente, para não tão boas descobertas.

As férias têm o condão de nos transmitir uma energia tão positiva, que despertam um certo empoderamento, e o poder é o microscópio da alma. Já dizia o filósofo Maquiavel na sua célebre frase: “dê poder ao homem e descobrirá quem ele realmente é”.

E assim, não é incomum, em férias, esse empoderamento se transformar em arroubos de prepotência na fila do mercado ou da farmácia abanando a carteirinha de “doutor” – “eu sou o cara” – para conseguir o desconto de convênio de entidade, no estacionamento em vaga especial sem ter direito para tanto, no tom de voz acima dos decibéis permitidos, alardeando um grande negócio no guarda-sol ao lado… parece que a educação também fez as malas…porém para outro destino. Quisera a humildade fosse mais um benefício da vitamina D – haja sol – a humanidade, acredito, seria outra, bem melhor e certamente, mais bronzeada.

Isso tudo desafia o nobre espírito das férias, mas, ao mesmo tempo, revela que este período com ares paradisíacos “somente” acentua quem verdadeiramente somos, e que nada, absolutamente nada consegue se esconder por muito tempo debaixo deste sol… ou chuva.

De volta ao trabalho.

Vamos em frente!