Ocultos às margens dos movimentados e sinuosos cerca de 45 km da BR 470 que interligam o local mais ao sul de Carlos Barbosa, na junção com o município de Barão, até o limite mais ao norte de Bento Gonçalves, na ponte Ernesto Dornelles, divisa com Veranópolis, existem pelo menos três pontos vulneráveis a exploração sexual de crianças e adolescentes. Um em Bento, um em Garibaldi e outro em Carlos Barbosa.

O dado faz parte do levantamento do Mapear, projeto da Policia Rodoviária Federal (PRF) em parceria com a Childhood Brasil, apresentado como parte do recém lançado “Observatório da Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil”, do Ministério Público do Trabalho (MPT), em cooperação com a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Segundo a atualização do mapeamento, que compilou dados de aproximadamente 71 mil quilômetros de rodovias federais durante o biênio 2017/2018, foram identificados 2.487 pontos vulneráveis à exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil, um aumento de 26% quando comparado aos dados de 2015/2016. No Rio Grande do Sul, a elevação foi ainda maior: 43%, saltando de 103 registros para 154.

Pontos de exploração sexual na BR470

Entre estradas que cortam a região, também foram identificados pontos em Caxias do Sul, Nova Prata e São Marcos (Foto: Guilherme Kalsing)

Ao longo dos 472,3 km da rodovia que interliga os municípios de Camaquã, no Rio Grande do Sul e Navegantes, em Santa Catarina, foram detectados 19 pontos vulneráveis à exploração sexual de crianças e adolescentes, fazendo da BR 470 a quarta com o maior número, atrás apenas da BR 386 (31), BR 116 (29), BR 285 (23).

Segundo a Childhood, esses pontos são definidos por uma série de critérios como a existência de prostituição de adulto, ocorrências de exploração sexual de crianças e adolescentes, registro de tráfico e consumo de drogas nos últimos 24 meses, entre outros. A maioria deles se concentra em áreas urbanas. “Uma hipótese para isso é que esta localização facilita o acesso e a movimentação de pessoas”, aponta.

Conforme o Chefe da 6° Delegacia da PRF, Rômulo Gomes, os dados são alimentados pelos próprios policiais que investigam, por meio de ações periódicas ou denúncias, os estabelecimentos às margens das rodovias. “Fazemos operações, entramos, investigamos, identificamos quem trabalha no local, então colhemos todos dados que são registrados no relatório diário, que é encaminhado ao setor de direitos humanos da Policia Federal que faz a compilação dessas informações”, explica.

De acordo com Gomes, no que diz respeito aos 160 km da área de atuação da 6ª Delegacia da PRF, trecho que vai de André da Rocha a Salvador do Sul, a maior parte dos pontos de vulnerabilidade infantil concentram-se em postos de gasolina e casas noturnas. “Mas não são só em locais fechados. Ao longo da própria rodovia tem alguns pontos onde já identificamos menores se prostituindo”, afirma. De acordo com o Mapear, a nível nacional, esses são também os estabelecimentos com maior concentração de locais vulneráveis à  exploração sexual infanto-juvenil: ao todo, a maior concentração está em postos de combustível (940 pontos), bares (379) e casas de show (245).

Em um dos trechos, em que faz um cruzamento do levantamento geográfico dos pontos registrados em rodovias com os índices socioeconômicos, o relatório do Mapear mostrou, entre outros dados, que 93,33% dos 15 municípios com mais pontos críticos possuem taxas de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) Educação entre médio e muito baixo (ou seja, entre 0,00 e 0,699), validando relações entre a vulnerabilidade social e a exploração sexual. Embora os IDH das cidades da Serra Gaúcha sejam bastante superiores a essa taxa e mesmo a média nacional, os fatores para a vulnerabilidade sexual parecem seguir o mesmo padrão. “Muitos casos estão veiculados ao tráfico de drogas, locais onde tem uma incidência muito grande de pessoas envolvidas com criminalidade, ou em locais onde há consumo de bebida alcoólica em excesso”, conta Gomes.

De acordo com o conselheiro tutelar, Leonides Lavinicki, são raros os casos de exploração sexual que chegam até o Conselho Tutelar de Bento Gonçalves. Mesmo assim, consegue citar pelo menos dois casos na BR 470 nos últimos três anos, período atendido pela atual gestão. “Teve uma menina que tinha 17 anos que se prostituía ali, a gente tentou de todas as maneiras ajudar, mas ela fez 18 e seguiu se prostituindo e não pudemos fazer mais nada. A outra foi uma menina que veio da fronteira e parou em uma das boates da rodovia. Houve denúncia, o proprietário foi preso e a gente levou a menina de volta à cidade dela, mas isso há três anos. Depois não tivemos mais relatos”, lembra.

Observatório da Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil

Lançado na última sexta-feira, 2 de agosto, pelo MPT e pela OIT, a plataforma digital apresenta o cruzamento de dados de diferentes fontes governamentais sobre o trabalho infantil para auxiliar na criação de políticas públicas de prevenção e combate. Segundo o observatório, o Rio Grande do Sul não conta com “Políticas, Ações e Programas para atendimento à Criança e ao Adolescente em situação de rua”,  “Comitê de Enfrentamento à Violência sexual contra Crianças e Adolescentes” (11 UFs têm), ou “Legislação que Institua Plano de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes”. Acerca de Bento, além da exploração sexual, os dados destacam também o trabalho infantil na cidade, apontando uma taxa de ocupação de 4,5% entre menores de 14 anos.

Tela inicial da ferramenta digital lançada pelo MPT

Mapear

Criado em 2007, por meio da parceria entre a Childhood Brasil e a PRF, o programa visa elencar os pontos vulneráveis à exploração sexual de crianças e adolescentes nas rodovias e estradas federais de todo o país. Os dados são usados como ferramenta para subsidiar a elaboração de políticas públicas de enfrentamento a violação dos direitos.

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Qualquer denúncia de crimes contra crianças e adolescentes pode ser denunciado anonimamente pelo Disque 100.