Dando continuidade à serie de entrevistas ao Semanário, a delegada titular da 1ª Delegacia de Polícia (DP) de Bento Gonçalves, Maria Isabel Zerman, falou sobre as falhas e possíveis soluções para o processo de execuções penais. A delegada também fez uma avaliação do trabalho feito pela DP ao longo do ano.

Jornal Semanário: Qual a avaliação do trabalho da Delegacia ao longo do ano de 2016?
Delegada Maria Isabel Zerman: Esse ano realizamos bastante apreensões. Foram mais de 20 operações da 1ª DP, mais de 40 pessoas foram presas. Foram duas apreensões bem significativas de drogas. A primeira foi em março, quando nós fizemos uma apreensão em Torres, de aproximadamente 40 quilos de maconha, de uma quadrilha que já investigávamos aqui em Bento Gonçalves. Inclusive, alguns membros já haviam sido presos em 2014. E outra em meados de agosto, quando fizemos uma apreensão em Caxias, de 18 quilos de crack, com destino a Bento Gonçalves. Essas duas apreensões foram bem significativas pro nosso trabalho. Nós tivemos mais de 12 carros apreendidos, em razão do tráfico de drogas, além de armas apreendidas, então o nosso trabalho foi bem corrido esse ano, mas bem produtivo.

JS: Na sexta-feira, ocorreu uma operação do Denarc para desarticular uma quadrilha em Bento. Como funciona essa questão? 
Delegada Maria Isabel: Aqui na 1ª DP investigamos especialmente Bento Gonçalves, que é nossa atribuição. O Denarc, por ser um departamento estadual, atua no Rio Grande do Sul. As quadrilhas que eles investigam são ramificadas em vários pontos do Estado. Quando a gente vê que a nossa investigação está tomando uma proporção maior, repassamos para eles, porque não é mais nossa atribuição. Na verdade a gente tem conhecimento de que a droga vem de outros estados, principalmente de Santa Catarina e Paraná, e até de outros países, pra Bento Gonçalves. Também há droga que vem de Caxias, mas em Porto Alegre ainda não conseguimos desmantelar nenhuma quadrilha, porque é atribuição do Denarc (Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico).

JS: Como é o trabalho em conjunto com o Denarc?
Delegada Maria Isabel: Temos contato direto com eles, para trabalhar meios de investigação. Eles também possuem aparelhamento melhores que os nossos, e até pela questão do maior conhecimento mesmo. Tivemos muito suporte deles, principalmente quando fizemos as primeiras apreensões de drogas sintéticas. No início do ano, pois não eram do nosso conhecimento, e nunca havia sido apreendida uma quantia tão significativa desse tipo de material.

JS: Quais são as principais carências da Polícia Civil em Bento Gonçalves, especialmente da 1ª DP, no momento? 
Delegada Maria Isabel: Nossa principal dificuldade ainda é a falta de efetivo. Nossa demanda é muito grande, em razão do tráfico de drogas, homicídios, furtos, entre outros. Então o nosso efetivo é pouco para investigar tantas ocorrências na cidade. A gente espera que, no ano que vem, venham policiais para Bento. São duas turmas que estão na Academia, então esperamos que uma parte venha para a 8ª região (8ª Delegacia de Polícia Regional, sediada em Caxias do Sul), e que Bento Gonçalves seja contemplada com alguns desses policiais, para que consigamos trabalhar um pouco melhor, distribuindo nossas demandas para esses novos agentes.

JS: A delegacia fez alguma solicitação para isso?
Delegada Maria Isabel: O delegado Paulo (Paulo Roberto Rosa da Silva, titular da 8ª DPR) está em constante busca com a chefia de Polícia. Só que a falta de efetivo é um problema geral, não de exclusividade nossa (Bento Gonçalves). Estamos sempre buscando, a nossa regional é uma das maiores do Estado, comparada inclusive com a região metropolitana, em razão da densidade populacional, e com os crimes, especialmente em Caxias. Então acredito que a sejamos contemplados.

JS: O grande problema da segurança no Estado está relacionado com a falta de efetivo, ou teriam outros fatores a que possam ser atribuídas essa crise vivida em 2016?
Delegada Maria Isabel: Na verdade são várias circunstâncias que, somadas, geram essa crise que estamos vivendo na área de segurança pública. Crise financeira, crise política, a falta de vagas no Presídio, o acesso fácil que os apenados têm a celulares, a comunicação fácil que eles têm com a parte exterior, e a própria legislação. Com a falta de efetivo em outros setores, como no Poder Judiciário e Ministério Público, as demandas acabam demorando muito para serem julgadas, então o criminoso não tem a efetiva punição depois da prática do crime. Tudo isso vai somando para que, no fim, tenhamos essa situação que estamos vivendo. A segurança pública não é prioridade, e a gente não tem políticas de prevenção. Todos esses fatores acarretam no aumento desenfreado na criminalidade.

JS: O aumento da criminalidade em Caxias do Sul (até a terça-feira, 21 de novembro, 135 homicídios foram registrados na cidade) influencia nessa questão em outras cidades?
Delegada Maria Isabel: Acredito que sim. Bento Gonçalves está próxima de Caxias, e até mesmo de Porto Alegre. Embora a gente não tenha notícias de questões como luta de facções aqui em Bento, no fim acaba influenciando. Tivemos apenados que estavam recolhidos no Presídio de Bento e foram para o presídio do Apanhador (Penitenciária Regional de Caxias do Sul, localizada no Distrito Apanhador), e acabaram conhecendo outros criminosos de cidades próximas, com outros contatos. Então influencia sim.

JS: A superlotação no Presídio de Bento também contribui para isso?
Delegada Maria Isabel: Ajuda. Na verdade, as prisões ocorrem apenas em situações graves. Mas, com o presídio na situação de superlotação, as detenções são apenas em situações gravíssimas. Então, acabam indo para outros presídios e conhecendo outros criminosos, outras artimanhas para dificultar a ação policial. A falta de vagas prejudica a ressocialização, porque não há trabalho e oportunidades para todos.

JS: Bento Gonçalves precisa de uma Central de Polícia?
Delegada Maria Isabel: Uma Central de Polícia representa uma melhoria no atendimento à população, com todas as DPs no mesmo ambiente. Se tivéssemos um prédio novo, incluindo a delegacia da mulher o serviço melhora. Muitas vezes, as mulheres chegam para registrar uma ocorrência na Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA), mas falta o atendimento psicológico adequado. Uma central ajudaria nesse sentido.

JS: Uma reforma no Código Penal hoje é necessária?
Delegada Maria Isabel: Embora a legislação seja antiga, o Código de Processo Penal está adequado. O problema é a nossa Lei de Execuções Penais (LEP), quando o preso já está cumprindo a pena após condenado. Talvez uma mudança na norma seria mais indicada, com um maior cumprimento de pena privativa de liberdade, antes de se concederem benefícios, ou o próprio regime semi-aberto precisaria de uma discussão maior. Temos muita lei para cumprir, e muitas vezes é dito que a Justiça não faz nada. Mas, na verdade, temos uma série de garantias aos indivíduos.

JS: Mas que, às vezes, a população acaba não entendendo, não é mesmo?
Delegada Maria Isabel: Sim. Não é só entrar na casa de uma pessoa, por exemplo. Precisamos de autorização judicial e, para isso, é preciso haver uma investigação em curso. Não basta dizer para o juiz que queremos entrar na casa de uma pessoa, é preciso justificar isso, com indícios que um crime está sendo cometido. A gente precisa fazer o nosso trabalho e, ao mesmo tempo, estar resguardado pela legislação, sem abuso de autoridade.