Eu trabalhei na Isabela, pouco mais de dois anos, sob a Direção de Moyses Michelon. Antes disso eu havia feito de tudo um pouco. Na alfaiataria e loja do meu pai, ali na Saldanha Marinho, eu passava a ferro as fatiotas, fazia cobranças. Cheguei a ir até o 6 da Leopoldina (5km) a pé, várias vezes, para cobrar a mesma conta, porque se voltasse sem dinheiro, no dia seguinte tinha que voltar e encontrar o devedor. Várias vezes fui (de ônibus) até o Seminário de Viamão cobrar as batinas (meu pai também fazia batinas) dos Padrecos (padres jovens), ficava um dia inteiro lá na recepção esperando por eles que me davam curva (alô, Papa Francisco!) não queriam pagar o que deviam. Acho que fiz mais de doze viagens até Viamão. Eu sofria “bullying”, nesse período eu também vendia rádios portáteis vindos do Paraguai e, com o carro do meu pai, ia vender roupas lá na Irmãos Luchese, abria o porta-malas cheio de calças, camisas, sapatos, os funcionários escolhiam, eu fazia o vale, depois contava com a colaboração da empresa em descontar do salário. Mas, o trabalho que mais me dava prazer era de piloto. Às sextas-feiras eu levava o empresário de transportes Armando Guerra para sua fazenda em Lagoa Vermelha, pousava na fazenda em meio as vacas que ele conhecia pelo nome uma por uma. Quando chegávamos lá estavam todas sempre no meio da pista como que ” esperando por ele”. Eu dava uns rasantes, elas olhavam para o alto e ouviam ele gritar com a janela aberta “sai Filomena”, sai “Princesa”, (cada uma tinha um nome) e elas só saiam depois de um tempo. Quando eu pousava, não tinha mais combustível, ele tinha que ir de carro até a cidade (uns 25 kilômetros) para buscar e podermos voltar a Bento. Numa dessas viagens, ao invés de fazer um rasante em cima das vacas, fiz na lateral delas. O deslocamento do ar fazia as vacas saírem, não precisou mais ir buscar combustível na cidade. No Aeroclube eu levei muitas crianças, até mil e quinhentos metros de altura, pois, segundo os médicos, curava a coqueluche. E curava mesmo, teve só uma criança, um Joãozinho terrível, que não parava de tossir, “que raios eu dizia” saia da atmosfera, entrava nela e ele “nada”. Na quarta vez eu consegui, ele parou de tossir e eu levantei o troféu depois de um “ufa!”. Essa operação “cura coqueluche” durava três horas. Eu também dava instrução a alunos novos e fazia muitas viagens a praia ou para passeio ou para levar pessoas para o veraneio. Essas atividades todas, de mascate, de cobrador, de piloto, me rendiam um bom dinheiro, de tal forma que sempre o tinha, ao contrário dos meus amigos ricos que nem mesada ganhavam dos pais. Ai, quando eu ia para o “bar do Quito”, ali na Marechal Deodoro, onde, de um lado militava a jovem guarda e, do outro, a velha guarda, eu fazia como a Dona Miguelina (mãe do Ronaldinho Gaúcho) que nos bailões (hoje ela está adoentada, não vai mais) pagava a despesa de todo mundo que estava sentado num raio de 50 metros dela. Isso me contou um vizinho da casa da praia. Segundo ele, quando chegava no bailão (parece que da Restinga) ele dava R$ 50 para o garçom e perguntava onde ia sentar a Da. Miguelina, ele sentava por perto e não pagava a conta. Mas a ala jovem do bar do Quito era pequena, ninguém precisava saber onde eu iria sentar, todos reservavam a minha cadeira (He,He,He!). E eu pagava sundays, torradas, essas coisas gostosas. Me dava prazer em fazer isso, me sentia um “colono do Barracão”, sendo útil e agradável para as pessoas mesmo que fosse “pagando sundays”. Mas tinha uma grande vantagem, quando as meninas brigavam com seus namorados ricos me nomeavam “damo” de companhia e eu desfilava pela Saldanha Marinho sempre bem acompanhado, nem o fato de eu não ser fumante, usar calçado grande (ninguém que não fumasse ou calçasse sapato de número superior a 40 encontrava namorada fácil, e eu usava 41 e não fumava!) e usar chinelo de dedo, de vez em quando, afastava as meninas de mim. Quando elas voltavam para seus namorados só me restava cantar a música da Maysa: meu mundo caiu…, mas não por muito tempo, era só o “Zé Bonitinho” voltar ao bar do Quito. Aí eu cantava Carmem Miranda: taí, eu fiz tudo pra você gostar de mim…. (paguei um sunday) e ia de encontro à Saldanha Marinho. Eu me considerava um “emergente social”, dinheiro no bolso, belas companhias, bons amigos, taí, agora me lembrei de um verso de poesia (uma das tantas) que tive que decorar (de pé junto às paredes e depois da aula), por conduta indevida, quando estudava no Colégio Marista: “Oh que saudade que eu tenho, da aurora da minha vida, da minha infância (juventude) querida, que os anos não trazem mais…”. Terminou o espaço, vocês querem saber como eu abandonei a carreira de piloto? Quando caí em uma roça de milho, lá em Nova Prata, numa Sexta-Feira Santa, ao fazer um favor transportando um amigo. Voltarei, porém eu pergunto: será que eu tenho que pagar sunday e torradas a esses jogadores do Inter correrem um pouco mais em campo? Continua na próxima edição, aí é que vai entrar a Isabela.