A violência extrapolou todas as fronteiras e avança cada vez mais e de todas as formas, algumas próprias do seu tempo, embora reincidentes com outra roupagem, até mesmo muitas vezes sutilmente negada, mas jamais imperceptível aos olhos de quem vê o olhar de quem “não as enxerga”.
Recentemente, li sobre uma criança, um menino, totalmente indefeso, retirado violentamente dos braços de seus pais, sequestrado aos seis anos de idade, vítima de todas as atrocidades de que um ser dito humano é capaz de fazer ao seu semelhante.
Seus sequestradores, pasmem, não se tratavam de piratas desconhecidos pelas autoridades, ao contrário, eram “personas” conhecidas e, vergonhosamente respeitados pela sociedade a qual serviam, aliás, sequer eram alcançados pela lei, ao contrário, recebiam a proteção desta e a justiça? Bem…essa demorou um pouco…
Os pais, estes choram a perda do inocente, imaginem o sofrimento, porém, as lágrimas são silenciadas pela mesma violência de que foram igualmente vítimas e se misturam ao imenso salgado oceano que os separa de seus filhos. Jamais irão ver aquela criança.
A criança cresce sentindo literalmente a pele marcada pelas dores e agruras de um destino que não escolheu, escrito por outras mãos que não as suas, ditado a ferro e fogo. Estas, contudo, não foram capazes de apagar a chama maior da liberdade.
Esse fato é real, verídico. Entendo que assombra, causa asco, indignação e repulsa a todo ser no mínimo humano quando se coloca no lugar deste menino de seis anos de idade, de seus pais, de seus familiares.
Então, esse menino tem nome e tem uma história inspiradora. É conhecido como Zumbi dos Palmares (1655-1695). Foi ele o grande guerreiro que lutou pelo fim da escravidão e pela liberdade de culto e religião no período colonial deste país.
Pela coragem desse menino-herói e tantos outros, cerca de 700 mil escravos sobreviventes, vieram mais que conquistar a liberdade; reconquistar o direto à graça divina da vida, a qual outrora criminalmente precificada, a escravidão, é ainda hoje ao meu conceito, o maior crime da humanidade, pois ao bel prazer da dosagem imposta pelo opressor, a morte segue sem trégua sugando a vida, pois violenta o corpo e a mente na sua forma mais cruel.
Atualmente, a escravidão se acorrenta pelo preconceito permeado pelos olhares, pelos gestos obscenos, pelos comentários silenciosos de canto ou pelos rompantes públicos, pelas “piadas” criminosas, pelas postagens racistas e, quando não, pela negativa de sua existência.
Pensar de tal forma é escravizar-se pela própria mente, é negar a existência singular e igualitária de que somos semelhantes, é querer hipocritamente personificar a divindade como criador, negando o verdadeiro dom divino da vida a todos e a dádiva da liberdade.
A propósito, quisera um dia a discriminação nas suas mais variadas manifestações viesse a ser uma doença extinta, embora jamais haveremos de esquecer de suas chagas e cicatrizes. Quisera igualmente que o sonho de Martin Luther King se tornasse plena realidade, afinal, já dizia ele: “Não há nada mais trágico neste mundo do que saber o que é certo e não fazê-lo. Que tal mudarmos o mundo começando por nós mesmos?”.
E por fim, quisera ainda, jamais, jamais, cairmos na cilada de, ao defendermos a igualdade, criarmos diferenças. Isso seria um novo pesadelo.
Feliz Dia da Consciência Negra!
Vamos em frente!