Quem costuma ler esta coluna deve se lembrar das crônicas que brincavam com os sobrenomes italianos. Foram exatamente sete textos, posteriormente reunidos no “Pimenta, Paixão e Polenta”, de 2003. Pensei ter dissecado o tema, mas eis que, nesta semana, em meio a uma piada em dialeto, veio a sugestão: “Por que tu não conta a origem dos sobrenomes?” Ok! Eu conto… à minha maneira.
Lá pelo século XIV, época em que Maquiavel foi hit na parada, com seu famoso “O Príncipe”, a nobreza enfrentava problemas, inclusive os novos ricos, que precisavam registrar seus bens com uma identificação pessoal ou familiar. Então surgiu a idéia dos sobrenomes, afinal separar o trigo do joio oficialmente era fundamental para manter cada um no seu devido lugar. Aí os manda-chuvas, que tinham a faca e o queijo nas mãos, foram maquiavélicos, atribuindo-se o direito de escolher não apenas os seus, mas também os sobrenomes dos outros, de uma forma bem debochada. As peculiaridades dos indivíduos serviram de inspiração, e as denominações ganharam um aspecto caricatural. Assim, os ruivos foram chamados de Rossoni, Rossini… Os branquelas, de Bianchi, Bianchini… Os menos atraentes, de Brutti, Mafatti… Os pequenos, de Piccoli, Nani, Mosca… Os grandes, de Longhi, Longo… Os gordos, de Grossi… Os que tinham alguma deficiência na perna, de GambaRotta, na cabeça, de Dementi, problema de surdez, de Sordi … Os carecas, de Calvi, Pelato, Trentacapelli… Os corcundas, de Gobbo, Gobetti… Os estrábicos, de Berlusconni e assim por diante…
Uma segunda leva de sobrenomes teve mais sorte, pois derivou dos nomes dos pais – patronímicos – como, por exemplo, os terminados em “i”: Bernardi, (filhos de Bernardo), Lorenzi (filhos de Lorenzo)… Já as mulheres não tiveram tanta força, mas algumas precursoras do feminismo mostraram com quantos paus se fazia uma canoa… . Aí surgiram alguns sobrenomes derivados das mães – matronímicos – tal como Agnhese, de Inês. Em outros casos, o sobrenome foi formado pela união do nome do pai e do avô. Exemplo, Colaiaini, ou seja, filho de Nicola, neto de Giovani.
Um terceiro grupo de sobrenomes italianos que também escapou da sanha da aristocracia, tem a ver com os lugares de origem, como Milani, Montovani, Albanese… ou de suas características geográficas, como Castelli, Villa, Riva, Fontana…
Um quarto grupo derivou do ofício, como Ferrari (exímios na bigorna, no fole, no martelo), Forni (pizzaiolos da gema), Zappa (bons de carpina), Manara, Manera (pioneiros na devastação das florestas), Barbieri (barbeiros, que praticavam também a medicina usando sanguessugas…), Sartori (alfaiates)…
O assunto não se esgota aqui, mas como não quero esgotar a paciência dos leitores, finalizo com uma frase que sintetiza o espírito do italiano:
“Chi ride, vive depì”, pois “La alegria la spanta la malatia”.