Dependurado na cadeira escolar, um tiquinho de gente balançava as pernas. Ainda era muito novo para alcançar o chão, mas não tão novo que não pudesse frequentar a segunda série do fundamental, o equivalente, hoje, ao segundo ano. Seus olhos, que nem duas bolitas de vidro, acompanhavam a performance da “profe”, tentando adivinhar qual a resposta solicitada.

O assunto em pauta era o “lh”. Um tema espinhoso na alfabetização… e nos setenta anos seguintes. Nuances de nossa Língua, que a tornam vítima de atentados diários por esta Pátria de muitos retalhos…

Os coleguinhas já haviam participado do “temporal de palavras”, com “ventos, “raios” e tudo o que se pode imaginar numa sala extravasando energia infantil. Mas o baixinho, geralmente no mundo da lua, ficava a ver navios… ou naves.

Foi aí que o lado materno da professora falou mais alto (o menino tinha que dizer ao menos uma palavrinha com “lh”, para não correr o risco de ser discriminado). E ela passou a representar bem na frente dele. Mas, a expressão da figurinha era de um imenso ponto de interrogação.

A mestra não se deu por vencida. Postou o cotovelo na classe do aluno, aproximando bem seu rosto, e começou a piscar compulsivamente. A palavra sugerida era “olhos”. O menino arregalou mais ainda as bolitas azuis, e, de repente, teve um insight. Ergueu o braço e, feliz da vida, exclamou:

-Rugas!

 

Leonardo, quatro anos, em seu primeiro dia de escolhinha. A professora de Educação Física esmerava-se para que o garoto não estranhasse o ambiente e tivesse uma primeira impressão positiva. Então sentou-se ao lado do menininho, de igual para igual e, mostrando toda a sua disponibilidade, estendeu os braços sobre a classe. Sem nenhuma cerimônia, Leo passou a acariciar o dorso das mãos da “tia” e, na sequência, também a cara, como se estivesse fazendo uma espécie de reconhecimento. Depois, deu o veredicto:

-Sabe, tu podia ser vovó.

 

Brincando de Poesia

Palavras são oceanos
que a gente navega sem pressa, sem preço,
sem medo de conhecer o segredo – sagrado –
da onda… da renda… da brisa… da bruma…
das caras… das cores… das crenças… dos credos
de sentir o afago da vaga e o fogo do raio
de buscar a raiz e o enredo
de alongar a vista no mar crescente
de singrar horizontes
de reconhecer o rochedo
de investir contra muralhas
de ousar o mergulho
e – traço por traço –
conquistar o próprio espaço
escrevendo a HISTÓRIA.