Dois homens muito conhecidos, já idosos, frequentavam o mesmo lugar para cumprirem suas obrigações domingueiras. A missa só começava quando o Ernesto se apresentava e lá, bem no primeiro banco da Capela do Hospital Tacchini estava o Lucindo, com terno e gravata que lhe davam imponência e muito respeito.
Desnecessário mencionar que o Ernesto era o Padre celebrante.
Antes do início da missa a Irmã Inocente acendia as velas, cumprimentava a todos e também se postava num dos bancos da frente da capela, no lado oposto ao do Lucindo.
Confesso que ainda consigo ver todo aquele maravilhoso quadro dos participantes quando cerro os olhos e me concentro nas lembranças do passado.
Todos sabíamos quando o Padre Ernesto tinha seus compromissos pós missa. Ele até “comia” algumas orações sem comprometer o ato tão significativo da missa. De fato, não seguia todo o rito e se “engolisse” o sermão era porque o tempo estava curto.
Muitas pessoas lotavam o pequeno espaço da capela, corredores, sala de espera do hospital e até escadarias. Dava tempo para assistir missa, comprar pão no Butelli e ir para casa com folga.
Entre o Padre Ernesto e o Lucindo havia uma certa rivalidade que todos conhecíamos e até apreciávamos. Cada qual, homens de grande personalidade, dominava seu pedaço da capela: o Padre Ernesto administrava o que acontecia no altar da celebração e o Lucindo cuidava das orações do povo e da cantoria. E que cada um ficasse no seu canto senão saiam faíscas.
Lembro de um sábado em que o Padre Ernesto deveria ter alguma janta programada e chegou para a celebração da missa já derrapando na sacristia. Antes que a Irmã Inocente acendesse todas as velas ele já estava lá, iniciando as orações.
Tudo ia bem rápido e não houve sermão.
Na hora da reza do Santos, o Padre Ernesto saiu na frente:
– “Rezaremos o Santos”.
– “Cantaremos!” falou o Lucindo.
– “Rezaremos”, retrucou com firmeza o Padre Ernesto.
E o Lucindo, com sua voz de tenor, saiu cantando: “Santoooooo, Santoooo, Santooo é…….” e espichou tudo o que dava, arrastando cada nota da música.
Tive a impressão de que a Irmã Inocente cantou rindo enquanto o Padre Ernesto alargou o colarinho dos paramentos para não estourar o pescoço.
Esta rivalidade acontecia só durante a missa pois era comum ver os dois num profundo papo sobre história, geografia, ciência, política e tudo o mais que aqueles dois sábios conheciam.
Tanto o Padre Ernesto Mânica como o Advogado Lucindo lorenzoni se foram para o outro lado da vida e certamente devem estar com a Irmã Inocente dando rizada daqueles momentos em que, já idosos, pareciam crianças.
Todos deveríamos ser assim: eternas crianças.