Minha nona teve treze filhos. Já minha mãe, quatro; eu, três, e meus filhos, um. É uma linha descendente inversamente proporcional às dificuldades das respectivas épocas.

Tem um autor que diz que as famílias eram numerosas porque podiam oferecer um ambiente sólido, estruturado e melhor para seus filhos. Conhecendo a saga de nossos imigrantes italianos, com suas vicissitudes e reveses, acho que outros fatores contribuíram para isso, como, por exemplo, a religião e a inexistência de contraceptivos.

Os casais de hoje planejam o número de filhos prevendo os impactos tanto nas suas profissões, como nas despesas em saúde, educação, moradia, lazer…, embora o seu meio cultural possa ainda determinar grandes proles. Só para ilustrar, cito o casal Irineu e Jucicleide, do interior do interior da Bahia, que está criando um time de futebol e dois reservas, cujos nomes iniciam com R: Ronaldo, Robson, Reinan, Rauan, Rubens, Rivaldo, Ruan, Ramon, Rincon, Riquelme, Ramires, Railson e Rafael. Repetindo a piada, eles não devem ter televisão, e as noites são longas, assim como eram na época dos meus avós.

É bizarro para nós imaginar nossas nonas passando um terço da vida parindo e amamentando, sem recursos financeiros, sem nunca ter conhecido um médico, sem privilégios de gestante, trabalhando de igual para igual com os maridos e se escondendo das visitas masculinas, pois os homens entendiam ser vergonhoso elas aparecerem barrigudas.

A infância dos seus rebentos também não foi nada fácil. Obrigados a trabalhar desse cedo, as crianças acompanhavam os pais na colônia e nas tarefas de alimentar porcos, vacas e galinhas. Nesses contextos, foram retiradas as histórias de hoje:

A primeira aconteceu com minhas raízes. Nona e novo, com seus trezes filhos, na roça. Era verão, e o mormaço provocava um soninho daqueles. Um dos meninos (meu pai) se afastou do trabalho disfarçadamente e deitou num monte de feno. O tempo passou sem que ele notasse. Quando acordou, viu que o teto estava salpicado de estrelas. O silêncio, só cortado pelo rugido de leões baios, o ensurdecia. Não sabendo o caminho de casa, ele amargou a noite no topo do “monte”, paralisado de medo. No dia seguinte, bem cedo, juntou-se aos irmãos para a polenta da manhã, sem levantar qualquer suspeita.

Outra família, também com treze filhos, cuja mãe carregava os bebês em cestos, para a roça, viveu uma cena quase comum. O cansaço de um dia insano de trabalho deixou os pais meio fora de órbita, que só desejavam retornar à casa, lavar os pés na “mastela” (avó do “ofurô”) e cair no colchão de palha de milho. Na sequência dessas ações, se deram conta de que um dos bebês fora esquecido na roça. Sem grande alarde, o pai apanhou o lampião e foi resgatar o neném, que choramingava em seu “bercinho de vime” embaixo de um pé de bananeira.

E a gente se pergunta: será que amavam menos os seus filhos? Acredito que não. O que eles tinham era um espírito forjado pelas asperezas da vida, que muitas vezes os deixavam no limite de suas forças e razão. E quando a nona dizia “Lasciami stare… gó um diavolo per capello” (Me deixa… estou com um diabo por fio de cabelo!) era bom ninguém duvidar.