Não sei em que momento os costumes se perderam na sociedade, mas a Páscoa há muito tempo não é mais a mesma.

Quando falo pros amigos que vou à igreja na sexta-feira santa beijar o corpo de Jesus, que não como carne e jejuo de festas, barulho, algazarra; quando recordo que participava da Via Sacra e, a pé, pelegrinava no Morro da Cruz, muita gente olha com cara de desdém, como se eu fosse careta e a errada da história. Ainda na sexta, se colhia a verdadeira macela antes do sol nascer e, a pé, a Caravaggio se rezava e agradecia e pedia também.

Depois, no domingo de Páscoa, na colônia, a minha tia fazia a gente comer, em jejum, o primeiro ovo que a galinha colocava da sexta-feira santa. Era a crença que isso nos afastaria de picadas de animais peçonhentos ao longo do ano e, como nunca aconteceu, ninguém ousa parar de comer o ovo até hoje. Depois disso, todos se visitavam e, sorrindo, apertavam as mãos desejando uma feliz páscoa junto à família.

Não se viajava de férias, à praia, era tempo de reflexão, de família reunida na mesa, depois de acordar de madrugada e simular uma peregrinação do coelho para entrega de chocolate. Era uma mistura de imaginário infantil com a devoção das pessoas.

Era tempo de perdão, de correção de erros, de sofrimento, mas também de ressurreição. Era quando o povo chorava de dor no teatro ao chegar na parte do “crucifica-o”. Eram dias de silêncio, penitência, nem música se ouvia na rádio.

Independente de crenças, hoje, falar do significado das datas para uma criança está, majoritariamente, ligado ao consumo por trás disso. Ela escolhe, em detalhes, o que quer ganhar, sem saber o valor que isso representa. Faltam referências aos pequenos. O feriado virou motivo de festa e pouca reflexão.
O jejuar está intimamente ligado ao abrir mão de algo, à disciplina de sacrificar-se e ingerir somente o necessário. Não há jejum de carne, de doces, de álcool tampouco do uso de celular, de fofoca, de consumo. Onde está o esforço a fim de refletir acerca dessa passagem?

O ser humano optou por não passar necessidade, não se sacrificar em prol de costumes de uma cultura que tinha Deus como centro das coisas. Hoje o “eu” está no centro. Não há a necessidade do outro, muito menos de um Deus. O mundo está escasso de valores e torto é quem difere disso.

Era uma vez a Páscoa da minha infância. O rezar ao redor da mesa. Era uma vez uma família que prezava por valores culturais mais que presentes. Não sei onde pode ter se perdido. Desejo que a Páscoa não perca seu significado, que todos oremos pelo ressuscitado, que seja a esperança que nos traz, que Cristo nos envolva com sua paz. Que nos acalente que a morte não é o fim. Que a Páscoa verdadeira seja isso. Um monte dessas pequenas coisas vividas em família. Abençoada Páscoa a todos!