A ideia de que as regiões centrais são foco dos acontecimentos dos municípios é bastante comum na nossa sociedade. O oposto, entretanto, é o que prevalece. A periferia é parte relevante da engrenagem que possibilita o girar da roda. Isso vale também para o esporte. Normalmente é nos bairros às margens de uma cidade que tudo começa. Bento Gonçalves não foge à regra. O Unidos Futebol Clube é essencialmente isso. Com treinamentos em um ginásio no Bairro Jardim Glória e também no Ginásio da Madecenter, no São Roque, a escolinha trabalha com cerca de 70 crianças – divididas em três categorias.
O trabalho é comandado por Rodrigo Brum e Idair Souza, o Ida. Um complementa o trabalho do outro. Brum afirma que o seu cargo não tem uma denominação certa. “Eu estou mais para administrador do projeto”, afirmou. Mas quando indagado se poderia ser considerado vice-presidente do Unidos, ele respondeu – em tom hesitante – que sim. Já Ida é o professor de educação física e, proclamado por seu colega, como presidente e técnico. Ele comanda os treinos e também o Unidos Futebol Clube, de modo geral.
Apesar do bom humor e sintonia fina entre os comandantes, o trabalho do Unidos está longe de ser fácil. A falta de apoio financeiro prejudica o trabalho que, para além do esporte, é social. “O projeto é voltado para crianças carentes; nós sabemos que muitos não podem pagar na frequência normal, mas a gente sempre dá um jeito”, explica Brum. Ainda de acordo com ele, a prática esportiva é fundamental para que as crianças não fiquem nas ruas e, por isso, acredita no poder do projeto.
Os treinos em locais diferentes acontecem por conta da falta de um meio que possibilite o transporte de todos os alunos para o Ginásio da Madecenter, onde os horários de treinamento são gratuitos (nas segundas e sextas-feiras) – o ginásio no Glória tem valor de R$ 150 para quatro horas ao mês. “Levando todos para a Madecenter, teríamos mais tempo para trabalhar e entreter as crianças”, complementa Rodrigo Brum.
Ainda de acordo com o administrador da escolinha, a falta de transporte também impossibilita a criação de uma categoria de crianças abaixo dos dez anos de idade. Isso porque o acesso ao local de treinamento no Bairro Glória é dificultoso. Para eles, a preocupação com a segurança das crianças no trajeto é grande.
Enquanto a batalha por auxílio para o transporte acontece, ainda existe a busca por outros financiamentos. Como a escolinha participa de campeonatos na região, ainda há gastos com a viagem. Para o técnico Ida, existe muita dificuldade para conseguir apoio. “Nós vamos às empresas pedir qualquer ajuda e não consegue. A gente não quer dinheiro para nós, só auxilio para as crianças”, declara.
O projeto que tem pouco mais de um mês pensa a longo prazo em diversos sentidos. Após a participação no torneio citadino de Garibaldi (que tem times da Serra), Ida e Rodrigo pretendem realizar um citadino em Bento. Além da taxa de inscrição, a ideia é que se cobre a entrega de alimentos não perecíveis no ato do cadastro dos times. Eles afirmam que essa seria uma outra forma de ajudar as pessoas dos bairros de atuação da escolinha.
Os líderes planejam inclusive fazer almoços e outras atividades com a finalidade de angariar fundos para outras viagens. Está nos planos da dupla uma viagem para Porto Alegre. A ida à capital possibilitaria que o Unidos participasse de jogos com Internacional e Grêmio.
Os resultados das partidas seriam secundários. A experiência de duelar com a dupla Gre-Nal (para os pequenos) e a materialização de um projeto (para o Ida e Brum) seriam a grande conquista para o Unidos.

Para o Unidos não é só futebol

Ainda que o trabalho de parte técnica e tática dos pequenos atletas seja feito por Ida Souza, o treinador gosta mesmo é do lado humanitário de atuação que o projeto possibilita. Segundo ele, é comum que os professores deem uma bola para os alunos jogarem sem sequer saberem a vida e o cotidiano das crianças e adolescentes. “Eu gosto de formar não só um jogador, mas uma pessoa, porque não é só a bola, é a cabeça que importa”, salienta. Ida já trabalha há 25 anos com a esporte e educação.
O ideal maior de utilizar o esporte como ferramenta educacional também é um desejo do vice-presidente Rodrigo Brum. Para ele, há sempre o cuidado com o que acontece com os alunos nas escolas e também nas suas casas. E esse controle, em forma de aconselhamento, tem sido positivo para as crianças. “Vemos que eles estão melhorando bastante, tanto nos estudos quanto nos relacionamentos com os colegas”, lembra.
O Unidos ainda planeja um diálogo com psicólogos dos postos de saúde dos bairros. A ideia é que haja um acompanhamento profissional para os alunos da escolinha que não estejam bem nos relacionamentos com família, colegas de time ou até mesmo na escola. Os líderes do projeto acreditam que essa ação seria fundamental para auxiliar os atletas que vivem em difícil situação familiar e financeira.
Embora o lado social e humanitário seja prioridade para Rodrigo Brum e Idair Souza, o Unidos já colhe frutos no ambiente esportivo. De acordo com Ida, dois atletas já treinam na Associação Carlos Barbosa Futsal (ACBF) e outros estão confirmados nas categorias de base do Esportivo. “Nós temos conexões com alguns clubes maiores, mas a nossa ideia é sempre formar os garotos para o futuro e não só para jogar futebol ou futsal agora de imediato”, conclui.
Ida, inclusive, acompanha os treinamentos de seus atletas no time de Carlos Barbosa – referência no futsal. Em algumas oportunidades, houve um intercâmbio de informações. “Os vídeos que gravamos em Carlos Barbosa são mostrados para os nossos atletas e sempre tem algo de bom para aproveitarmos”, explica Brum.
O Unidos Futebol Clube pensa o esporte de forma ampliada. Os mais de 70 jovens presentes no projeto podem contar com o trabalho intenso e também determinação de Rodrigo e de Ida. Eles fazem jus ao nome do projeto. Unidos, eles conseguiram impactar a vida de diversas pessoas dos bairros bento-gonçalvenses em tão pouco tempo.

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