Se por um lado, a impulsão das exportações e a abertura do mercado internacional promovidas pelo acordo de livre comércio entre Mercosul e a União Europeia animam alguns setores econômicos de Bento Gonçalves e região; por outro, a concorrência de produtos estrangeiros põe em alerta setores que não se sentem preparados em competir com o mercado europeu. O tratado, anunciado em nota conjunta do Ministério da Economia e do Ministério das Relações Exteriores na sexta-feira, 28 de junho, após reunião ministerial realizada em Bruxelas na Bélgica, pôs fim a um processo de tentativas e acordos frustrados entre os dois blocos que se arrastava desde 1999.

Em linhas gerais, o acordo busca facilitar o comércio e a troca entre os continentes, propondo desde a extinção de tarifas de importação e exportação, até alterações em marcos regulatórios, propriedade intelectual, regras sanitárias, e compras públicas — permitindo, por exemplo, que empresas brasileiras participem de licitações na Europa.

Para o economista e professor do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia (IFRS), Pedro Henrique de Morais Campetti, ainda que seja cedo para fazer previsões setoriais detalhadas, enquanto algumas empresas tendem a ganhar mercado e outras a sofrer com a concorrência, o maior beneficiado será o consumidor. “Em primeiro lugar, haverão mais opções de produtos importados e com custos reduzidos. Ao mesmo tempo, com a competitividade, as empresas nacionais terão que agregar valor ao seus produtos, aumentando a qualidade. Então o consumidor só tem a ganhar”, assinala.

Apesar da nota dos ministérios apontar a conclusão da negociação da parte comercial do acordo de Associação entre Mercosul e União Europeia (EU), o processo ainda está longe do fim. Isso porque o texto ainda precisa obter a autorização dos Estados membros e Parlamento Europeu, que podem solicitar alterações em uma tramitação que pode levar anos.

Setor moveleiro comemora acordo

Responsável, sozinho, por 48% de todas as exportações de Bento Gonçalves, o setor moveleiro é um dos que mais comemora o acordo entre os dois blocos. Em 2018, de acordo com levantamento da Associação das Indústrias de Móveis do Estado do RS (Movergs), 15% de todo valor gerado pelas exportações veio da União Europeia. Juntos, os 24 países europeus que possuem algum tipo de negociação com indústrias gaúchas totalizaram negociações de US$ 31.670,593.

Com o novo acordo, a previsão é de que, nos próximos anos, o Estado possa ganhar um incremento superior a 50%. “Atualmente, o Reino Unido está no topo do ranking das exportações para a União Europeia e o acordo, sem dúvida, permitirá que outros países ampliem a demanda por móveis, que atualmente representa 16% das exportações a países do bloco. Com a redução nas tarifas seremos ainda mais competitivos”, ressalta o presidente da Movergs, Rogério Francio.

Apesar de apontar que ainda é cedo para calcular metas e assinalar que as tarifas não têm sido empecilho a competitividade das empresas moveleiras de Bento, o diretor internacional do Sindmóveis, Leonardo Dartora, também acredita que as exportações aos países europeus sejam impulsionadas pelo tratado. “As empresas da União Europeia tenderão a ver o Mercosul com melhores olhos, comercialmente falando. Em se tratando de indústria moveleira, o Brasil certamente tem muita vantagem em relação aos países vizinhos”, destaca.

Vinícolas temem “concorrência desleal”

Dissonante ao tom otimista do setor moveleiro, as vinícolas tem reagido com receio ao tratado de livre comércio que deve incentivar a entrada de novos rótulos no mercado regional, ao zerar a taxa de 27% cobrada atualmente pelo Mercosul para importação de vinhos europeus.

De acordo com o presidente do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), Oscar Lo, a alta carga tributária do produto nacional, que pode chegar até 55%, além do alto custo de produção e a falta de incentivos governamentais, frente à concorrência do mercado vinícola mais forte do mundo, impulsionado pelo fim das taxas, pode ocasionar “concorrência desleal” com os vinhos nacionais podendo gerar, ainda, um “grande problema social ao afetar milhares de famílias que vivem da produção do vinho na região”. “Na Europa há diversos subsídios à produção agrícola como, prêmio exportação, seguro de produção aos produtores, enfim, toda uma política pública voltada a agricultura. É com isso que vamos concorrer”, sublinha.

“É possível conviver harmoniosamente com o produto nacional e com o importado. O que não podemos é ter um vinho de fora barato e continuar com altas taxações para o vinho daqui”

Para evitar os prejuízos, Lo destaca que o setor precisa se mobilizar na busca por incentivos governamentais que amenizem a instabilidade ocasionada pelo acordo. Segundo ele, o instituto já vem há tempos conversado com o governo em busca de medidas compensatórias. Somente entre maio e junho foram quatro reuniões. “O próprio governo sabe que seremos prejudicados. Já tivemos alguns encontros coordenados pelo ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que se mostrou favorável às compensações. Estamos costurando agora quais as medidas. Pensamos em linhas de financiamento para produtores e vinícolas, seguro agrícola, por exemplo”, cita Lo. Um novo encontro deve ser marcado dentro dos próximos dias.

Na opinião de Lo, mesmo com a efetivação da abertura do mercado europeu, caso sancionadas medidas compensatórias, tanto as marcas estrangeiras quanto as nacionais devem se fortalecer com a ampliação da cultura do vinho no Brasil. “No momento que o vinho importado se tornar mais acessível ao consumidor e o vinho nacional tiver redução de custos tributários, certamente vai aumentar o consumo do produto e todo mundo vai sair ganhando. Não queremos brigar com o vinho importado, queremos condições iguais para estimular o mercado”, finaliza.

Metalmecânico em alerta

Apreensão. Esse é, segundo o Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Bento Gonçalves (SIMMME), o sentimento do setor metalmecânico em relação as portas abertas pelo acordo intercontinental.

De acordo com Dados levantados pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), entre janeiro e maio de 2019, o setor acumulou US$ 5,24 milhões em máquinas e aparelhos, materiais elétricos e suas partes, ademais de US$ 3,12 milhões em metais comuns, em importações. No mesmo período, os valores de exportação foram de US$ 3,12 milhões e US$ 499,39 mil, respectivamente.

Para o presidente do SIMMME, Juarez José Piva, a isenção das taxas para produtos importados deve fazer com que o déficit da balança comercial fique ainda maior. “A tendência é que se importe muito mais, não tem como fugir dessa realidade. As principais marcas já chegam da Alemanha, Itália e outros, isso vai facilitar ainda mais a entrada desses produtos. O mercado nacional tende a sofrer drasticamente”, aponta.

Segundo Piva, o setor ainda sofre com uma grande defasagem tecnológica quando comparado com os padrões europeus, sendo necessário que o mercado regional busque “urgentemente” por aperfeiçoamentos e uma “total mudança de cultura e postura”. “Eles (países europeus) estão muitos anos a nossa frente em tecnologia e tendências. Por isso temos que desenvolver uma nova cultura que passa por toda cadeia produtiva: universidades, governo, fornecedores. A princípio, vamos brigar muito, mas necessitamos nos universalizar, criar conceitos, parcerias. Se ficar com os braço cruzados, passarão por cima de nós”, preconiza.