As fotos achadas em um arquivo do colégio da pequena comunidade mostram uma turma da década de 80, com crianças de idade inferior a dez anos. A menina, hoje aluna da mesma instituição, mostra a imagem ao pai, e pergunta se a criança da fotografia é ele, e a resposta é positiva. A cena, descrita pela professora e atual responsável pela Escola Estadual São Pedro, Eni Parisotto Lerin, ocorreu entre um pai e uma aluna da escola e representa o senso de comunidade, um dos pilares de uma escola rural. No entanto, isso pode estar em xeque em Bento Gonçalves, na comunidade que leva o mesmo nome da instituição. Mais uma vez, não há garantias de que a escola vá funcionar em 2017, conforme apontam os atuais funcionários do pequeno centro de ensino, localizado no Caminho de Pedras.
A principal preocupação em relação à escola, que já atende a comunidade há mais de 100 anos, é quanto ao risco de fechamento da instituição. Com o calendário de matrículas para o ano letivo de 2017 já aberto na rede estadual, ainda não é possível garantir a continuidade das aulas. Nesse ano, a escola foi a última da rede em Bento Gonçalves a começar as aulas, apenas em sete de março. Atualmente, 16 crianças estudam na E.E. São Pedro.
De acordo com outra professora da escola, Marcia de Mattos, a insegurança por parte dos pais ocorre principalmente pela falta de posicionamento da 16ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE). “Ninguém quer correr o risco de que as crianças percam o ano letivo. Por isso, acabam optando por outras escolas”, lamenta a professora.
Apesar disso, o desejo dos pais é de manter os filhos na escola da comunidade. Tanto que já foi realizada a confecção de um abaixo-assinado para pedir que a instituição permaneça aberta. “O envolvimento tão próximo da comunidade com as escolas é algo raro. Aqui, as pessoas estão sempre engajadas, e se mobilizam para resolver os problemas que aparecem na escola”, relata Eni.
Atualmente, as responsabilidades que envolvem a direção da escola estão divididas entre Eni e a coordenadora adjunta da 16ª CRE, Margarete Bottega Tomasini. Por funcionar apenas em um turno, a professora acumula 20 horas nessa função e mais 10 nas funções administrativas. “É muita coisa para pouco tempo, especialmente a parte burocrática”, afirma Eni.
O funcionamento em turno único ocorre na escola desde 2015, quando havia 35 estudantes. Antes de 2014, a escola chegou a ter mais de quarenta alunos. A escola conta com o apoio da Associação Caminhos de Pedra e há um movimento para torná-la patrimônio de Bento Gonçalves.
Zoneamento e transporte
Além das questões citadas, outros pontos também contribuem para que a escola perca alunos. O zoneamento, que passou a vigorar em Bento Gonçalves em abril deste ano, faz com que alunos da comunidade de São Miguel, por exemplo, que antes frequentavam a Escola Estadual São Pedro, agora sejam colocados em instituições mais próximas, como a escola do Barracão, por exemplo. Dois alunos são exceções, e ainda vêm dessa comunidade, já que não havia mais vagas para eles em outros colégios.
O transporte também é outro empecilho, já que a demora constante para a definição sobre a vigência ou não do ano letivo interfere no planejamento. “Antes o transporte pegava mais gente, da comunidade de São Miguel”, relata a funcionária responsável pela limpeza da escola, Marquiselania Periolli.
Para CRE, falta de alunos é um dos pontos decisivos
De acordo com a 16ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), que responde pela Escola Estadual São Pedro, a intenção não é fechar o colégio. No entanto, dois pontos são decisivos para a incerteza quanto ao funcionamento da escola. Segundo a coordenadora pedagógica da 16ª CRE, Sidia Dall’Osbel Prezzi, para o próximo ano letivo, no momento, oito alunos estão matriculados entre a primeira e quinta série. Há, ainda, cinco para uma das turmas de jardim. Para a outra, as inscrições ainda não foram abertas. Além disso, não há nomes para assumir a direção da escola. “Em função do número de alunos, temos critérios. Uma escola com baixo número de estudantes funciona trinta horas apenas”, explica.
Na região, diversas escolas que antes funcionavam em dois turnos, hoje têm aulas apenas em um período, especialmente as que apresentam número mais baixo de alunos, e em áreas mais afastadas dos centros. De acordo com ela, isso dificulta alguém que assuma a escola. “O que infelizmente acontece é que o baixo número de material humano dificulta o trabalho”, lamenta.
A coordenadoria afirma que vem trabalhando desde o ano passado para solucionar os problemas. “Chegamos a entrar em contato com todas as escolas dos municípios que pertencem à área de abrangência da 16ª CRE para encontrar alguém que pudesse assumir a direção”, afirma. Atualmente, a Coordenadoria responder por 25 municípios da região.
A coordenadoria ainda afirmou que as aulas estão garantidas para 2017. Apesar disso, admite que há risco de ocorrer a mesma situação desse ano, quando a escola foi a última a iniciar as aulas na rede estadual em Bento Gonçalves.
“Educação rural é necessária para conhecer a realidade”
A preocupação com a educação rural é fundamental para que as crianças dessas comunidades conheçam os processos em que suas famílias estão inseridas. Essa é a opinião do professor de sociologia da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Franklin Peña Mujica. Segundo ele, uma das principais razões para que as escolas do campo estejam em atividade é para que as crianças possam desenvolver todo o processo educativo e reconhecer seu lugar. “O ensino ajuda a entender os processos da vida desenvolvida no campo. A realidade rural é diferente da urbana. Quando você desprende as crianças de sua realidade, e os leva mais próximo da cidade, eles estão se desprendendo de seu lugar”, afirma.
No entendimento do professor, o senso de comunidade, destacado pelas professoras da Escola Estadual São Pedro, e as relações afetivas, além dos aspectos culturais, são identidades próprias dessas comunidades. “Por isso hoje há uma necessidade de investir nessas escolas, para que as crianças possam entender e conhecer a seu próprio mundo, e não o contrário. Desconhecendo a sua realidade, eles imaginam e pensam como se estivessem na cidade. Claro que é importante entender ambos os espaços, que são diferentes, mas essa é a vivência deles”, explica.
A professora e atual coordenadora da Escola Estadual São Pedro relata que, em anos anteriores, a escola desenvolveu diversos projetos relacionados a questões rurais. “Mantínhamos uma horta no pátio da escola, que era cuidado pelos próprios alunos”, comenta.
Além disso, a ida das crianças para o ensino em áreas urbanas pode dificultar a continuidade do estudo, já que a dependência de transporte e as demais dificuldades que podem aparecer em decorrência disso tendem a atrapalhar o processo. “Muitos podem estar impossibilitados de continuar a educação”, lamenta.
Mujica aponta que, quando os governos adotam políticas de redução de custos, as escolas do campo tendem a sofrer com esses cortes, especialmente pelo baixo número de alunos. Para ele, as escolas do campo são estruturas frágeis, que nem sempre contam com o amparo necessário. “No entanto, é preciso levar em conta a educação do campo como uma necessidade de investir na formação apropriada para as crianças, e não apenas como números”, explica.
Para a coordenadora adjunta da CRE, a atual situação financeira do Estado faz com que eventuais cortes atinjam colégios nessas áreas. “O ponto que a gente sempre considera é o número de alunos”, analisa.
Para Mujica, o processo do êxodo rural, ligado à industrialização e ao desenvolvimento econômico, pode ser corrigido por uma maior atenção ao ensino no campo. “Investir na educação rural, para que os jovens permaneçam no campo, pode fortalecer uma referência de vida. Hoje, outro problema é o envelhecimento das pessoas que trabalhavam no campo. Os jovens não querem mais permanecer”, lamenta.
A solução, de acordo com ele, está na capacitação de pessoas para essa área, além da adoção de novas estratégias e processos para as escolas em áreas rurais. “É preciso buscar um aprofundamento nesse segmento”, finaliza o professor.
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