Clacir Rasador

Há muito tempo, ainda jovem, portanto, ouvi uma expressão – talvez tenha sido em uma palestra motivacional – a qual tem se tornado um mantra para afastar o sentimento de perda – infelizmente muito comum nesses tempos – ou, dependendo da interpretação subjetiva, no mínimo contentar-se com o que se tem, não pecar pela ingratidão. Refiro-me a valorizar “o meio copo cheio e não o que falta“ para transbordá-lo.

Embora concorde com estas duas interpretações, limitar-se a elas é limitar-se às conquistas pretéritas, aos “troféus” empoeirados na prateleira da estante, sem perspectiva para um futuro. É embalar-se no samba de Zeca Pagodinho “Deixa a vida me levar, vida leva eu”, na eterna espera da sua vez…

Pior que isso, é dar-se conta de que o “meio copo vazio” faz falta quando menos se espera, quando mais se faz necessário, quando não se usou do tempo para preenchê-lo e agora falta tempo para tanto.
Falta… triste, odiosa e pobre palavra, porém, embora não combine, geralmente antecede e faz par com algo que tem valor.

Com dor no coração, ouso dizer que vivemos hoje o tempo do “meio copo vazio” e quanto nos faz falta ele cheio.
Pode parecer antipática tal afirmação, mais um pregador do caos, dirão os negacionistas, enquanto se furtam de usar a salvadora máscara, mas mascaram a realidade, aumentado o espaço deste vazio.

Falta vacina para voltarmos à normalidade.

Falta estrutura hospitalar para atender à demanda de infectados; falta até oxigênio.

Faltam estadistas que compreendam que, embora não esteja escrito no voto, recebem uma procuração para proteger sua nação, que se materializa em cada pessoa que vive nesta terra e cujo bem maior é a vida.

Falta fé em acreditar que a doença não é um muro, mas um obstáculo a ser sempre transposto – seja para ficar deste lado ou seguir numa dimensão maior ainda, eternidade é sua medida.

Falta sensibilidade, empatia, amor até mesmo a si e por consequência ao próximo.

Enfim, nos faz falta a tão sonhada paz.

Ademais, não bastasse a pandemia, pelos últimos acontecimentos relacionados às decisões do STF quanto à possível anulação dos processos e por consequência das sentenças condenatórias obtidas sobejamente pelas provas sem qualquer mácula na operação Lava Jato, falta-nos igualmente Justiça.

A propósito, após tal decisão do STF, muitas postagens nas redes sociais referiam que “não é fácil ser honesto neste país”, citando inclusive – em causa própria – o grande “Águia de Haia” Rui Barbosa, advogado, jornalista, jurista, político, diplomata, ensaísta e orador: “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”.

Sim, não é fácil e quando ainda agravada por decisões de tal calibre da maior Corte Judicial do país, a defesa dos ideais e valores morais, da justiça e da honestidade nos faz parecer o incansável, utópico e até mesmo ingênuo personagem D. Quixote contra moinhos de vento.

Contudo, sem a ousadia de parafrasear o nobre causídico Rui Barbosa, sirvo-me unicamente de sua eloquente frase como inspiração, para homenagear estes D. Quixotes, com a certeza de que é possível encher o meio copo com o que há de melhor do ser humano: “De tanto ver-se apequenar as virtudes, de tanto ver-se honrar a desonra, de tanto ver-se injuriar a Justiça. De tanto ver solitária a força do bem contra o poder da unidade dos maus, cabe ao homem servir-se de suas melhores virtudes, jamais cansar-se da defesa da honra e nunca renunciar à sua honestidade”.

Vamos em frente!