Hoje acordei ouvindo poesia. Métrica livre, sem normas nem recursos literários que invertem, subvertem, transvertem, revertem… Sem definições de temas, ou com o tema de sempre, o amor.

O sabiá que elegeu o pinheiro aqui, do lado, como palco, canta poesia em três notas: “TI – E – TA”… “TI – E – TA”… “TI – E – TA”… Está obviamente tietando a morena de olhos castanhos e peito laranja que lhe roubou o coração. E pela insistência do tenor, desconfio que ela tem lá seus segredinhos…

Não demora e o nascente fica todo rabiscado de poemas barrocos. Vermelhos, azuis, amarelos… Então surge o vento arfando e, cada vez mais forte, rouba todo verso tingido. A palidez do céu é instigante. Folhas em redemoinho são notas de rodapé que se somam ao prelúdio de um poema intenso, dramático, épico…

Ao meio-dia, sombras invadem o poente. Bruxas à solta recitam versos marcados pelo ritmo do trovão, que depois rolam pelo telhado, liquefeitos. Sons de infância levemente nostálgicos, com cheiro de húmus e de biscoitos adensam o espaço…

O chorão aqui, dos fundos, que resistiu aos ataques das formigas durante vários outonos, está agora carregadinho de haikais. Alguns se derramam pela calçada num tapete natural.

Um olhar mais distante encontra a torre da Igreja Cristo Rei envolta em estranha neblina para esta época do ano, parecendo suspensa… É poesia concreta, abissal.

O sol entre nuvens é poesia “caliente” que se desdobra em “raios fúlgidos e brilha no céu da pátria nesse instante…” E o arco-íris colore com seu abraço pacificador o norte e o sul. (Que pena este poema não abrandar os corações…)

O casal de velhinhos que, feitos amálgamas, não se soltam embora um ande mais lento do que o outro, é uma ode de amor eterno. Com certeza, não será a morte que irá separá-los.

A relação entre cachorro e mendigo dividindo o “papeleiro móvel” em frente ao mercado, compõe uma elegia.

A mão que oferta, generosa, e o sorriso que recebe agradecido, formam um dueto poético…

O bebê que mama do seio da mãe é poesia sublime, singular

O por do sol está uma pintura só. O astro rei se dilui num vermelho fogo que até derrete as nuvens. Poesia pura.

Tudo tão novo e tão antigo, tão inequívoco, perfeito, absoluto, harmonioso, transcendental… em meio à imperfeição e aspereza e humana.