As bento-gonçalvenses Thais Strapazzon e Laís Belinski Roman migraram para outros países, cheias de expectativas para o futuro

Além de sonhos, quem migra para outro país busca uma vida melhor e experiências que levarão para toda a vida. Em 2022, o número de brasileiros morando no exterior chegou a 4,59 milhões, conforme levantamento divulgado pelo Ministério das Relações.

Atualmente, jovens de Bento Gonçalves e região se encontram espalhados por diversos países, como Irlanda, Inglaterra, França, Itália, Austrália, Canadá, entre tantos outros. O Semanário conversou com duas mulheres cheias de histórias sobre o local onde se estabeleceram, há milhares de quilômetros de distância de sua terra natal.

Aperfeiçoando a profissão

A jornalista Thais Strapazzon, de 25 anos, está há 11 meses residindo na França. Atravessou o oceano Atlântico rumo à Europa com o objetivo de fazer seu mestrado em produção audiovisual, mais especificamente na produção de documentários. “Desde que cheguei moro em Lyon, mas tive outra experiência aqui quando era mais nova, por volta dos meus 13 anos. Na ocasião, morei numa cidade de interior, na região da Franche Compté”, conta.

Atualmente, Thais não atua área do jornalismo e mantém o objetivo de estudar, concluindo o mestrado. “Mas o que percebo é que a profissão, infelizmente, é ainda mais descredibilizada do que no Brasil. As pessoas desconfiam muito dos jornalistas e da veracidade dos fatos. Já tive colegas de faculdade que até zombaram das fake news e isso é algo que me preocupa”, lamenta. Em relação ao mercado de trabalho, ela acredita que seja muito semelhante ao Brasil. “As mídias tradicionais vêm tentando se reinventar para acompanhar as novas, formas de consumo do público, mas me parece que ainda estamos mais avançados nesse aspecto no Brasil do que aqui”, frisa.

De acordo com Thais, existem várias diferenças entre o país francês e o Brasil. “Não só pelo fato de estar em um local que existe há mais tempo e, consequentemente, teve como se desenvolver ao longo desses anos, mas também por estar em uma cidade maior. Lyon é a segunda maior cidade da França. O que comparado com o Brasil ainda é pequeno, mas para eles aqui é um município enorme”, relata.

Uma das coisas que mais chama a atenção da jornalista é que apesar de grande, o local onde mora é muito seguro. “Tem seus perigos, claro, como todo lugar do mundo, mas por várias vezes voltei para casa à noite, sozinha, de transporte público, sem medo algum que algo acontecesse”, ressalta.

As diferenças culturais também foram algo que ela salientou. “Acho que por já ter vivido aqui antes elas não foram tão chocantes pra mim. Um ponto que sempre destaco quando falo sobre isso é a diferença de personalidade entre franceses e brasileiros. Eles são muito gentis e acolhedores, mas nada se compara ao calor do povo brasileiro. Então, até voltar a entender o jeitão mais reservado deles de ser vai um tempinho”, expressa.

Conforme Thaís, atualmente o país está passando por um momento de inflação muito alta. “Os preços estão bem caros. Claro que comparando com o quanto eles ganham e com as ajudas que existem, a dificuldade nem se compara com o que vivemos no Brasil. Mas no caso dos estudantes (que é onde me encaixo) fica complicado porque a lei não nos permite trabalhar acima de 20h por semana. E mesmo que permitisse, com a quantidade de aulas que temos ficaria inviável, então precisamos controlar bem os gastos”, explica. Além, claro, da burocracia. “Os próprios franceses reclamam que a administração francesa é muito lenta e burocrática, praticamente tudo tem que ser feito presencialmente ou enviando cartas. No caso dos estrangeiros, além de ter esses quesitos, ainda temos que sempre ficar atentos se estamos com todos os papéis em dia”, completa.

Para ela, o ambiente supera as dificuldades que podem ser encontradas ao longo do caminho dos que migram para lá. “Sou muito suspeita para falar porque amo esse país há muito tempo. Apesar das dificuldades, a qualidade de vida é excelente. Sem contar que para onde a gente olha tem história. A França, e os países da Europa num geral, valorizam muito a preservação de prédios históricos, monumentos, museus, etc. O que faz com que cada canto seja único e tenha sua própria identidade”, retrata.

A saudade de casa é o ponto que mais a afeta. “É difícil estar do outro lado do oceano longe da sua rede de apoio e afeto. Sem contar que a vida não para as pessoas que ficam no Brasil, então você vai acompanhando tudo, mas de longe. É muito difícil perder momentos importantes de quem a gente ama. Também me pego várias vezes vivendo algo de especial e querendo mostrar para eles, mas não posso, além das fotos e vídeos. A tecnologia ajuda a reduzir um pouco essa distância, claro, mas não é a mesma coisa”, diz.

Segundo a mestranda, ela sempre foi uma pessoa de planejar muito e pensar no futuro. “Só que estar aqui foi meu grande objetivo por muito tempo, então agora só quero aproveitar essa experiência”, valoriza. Com isso, ela deixa uma mensagem a todos que possuem a mesma aspiração. “Acho que é muito importante dizer para quem tem esse sonho de viajar, se mudar para outro país, que ele é sim possível. Nunca deixem que te digam o contrário. Porém, tenha em mente que não é tudo lindo e maravilhoso. Existem sim dificuldades, dias difíceis e muita saudade, mas nada que você não possa enfrentar se esse for verdadeiramente o seu objetivo”, finaliza.

Música como paixão

Há um ano e meio na cidade de Florença, na Itália, a musicista Laís Belinski Roman, de 26 anos, conta um pouco sobre a escolha de se aventurar na Europa. “Sempre quis experimentar morar em outro país e conhecer novos lugares, a oportunidade de vir para a Itália veio quando eu estava me graduando na faculdade de música na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), esta etapa estava concluída e assim seria mais fácil experimentar uma nova vida”, recorda.

A escolha por Florença foi ideia do namorado, que voou junto com ela nesta nova caminhada em solo europeu. “Já tínhamos um amigo que morava no local. Aproveitei para fazer aqui meu processo de cidadania italiana, o que facilita muito para morar na Europa”, revela.

Logo que chegou na Itália, encontrou um outro jeito de fazer música, na qual a encantou: a música de rua. “É possível encontrar muitos músicos excelentes tocando nas ruas, e é sempre uma surpresa mágica seguir o som de um violino, flauta, cantor, ou até uma banda inteira pelas ruas até encontrar-se de frente a um show a qualquer hora do dia. Isso te tira do automático, muda o seu humor, abre seu coração e faz com que você interaja com as pessoas que circulam na cidade de uma maneira mais próxima e humana, cantando e dançando junto, ou simplesmente em silêncio apreciando uma melodia”, detalha.

Laís relata que enquanto aguardava seu processo de residência e cidadania, não pôde ter um emprego fixo, entre outras peculiaridades. “Não podia nem sair de casa durante o dia, por que eles têm um método muito estranho de confirmar que você mora no seu endereço”, comenta. Então, com o incentivo do amigo Vinicius Brandelli, outro músico de Bento Gonçalves morando na Itália, experimentou fazer um show à noite, nas ruas da cidade italiana. “Desde então eu sou apaixonada por tocar na rua e meu show tem evoluído, envolvendo cada vez mais pessoas, se tornando ainda mais interessante por que algo de aleatório e inesperado. Algo que sempre acontece quando se faz música desse jeito”, enaltece.

Conforme a bento-gonçalvense, a cidade tem algumas orquestras, coros, conservatórios e muitas possibilidades musicais. “Como acabei de sair de um treinamento na música clássica que durou muitos anos, achei interessante mudar um pouco e experimentar outros estilos. Aqui toquei com algumas bandas, um pouco de rock, country, blues e também forró. Além de também tocar em ‘jam sessions’, que é como chama quando músicos aleatórios se encontram em algum bar para tocar juntos, e ‘open mic’ que é quando um local tem o palco aberto para você ir lá e tocar sua música autoral”, pontua.

Falou de outros aspectos, ela lista algumas diferenças entre Capital Nacional do Vinho e o cidade italiana que optou por morar. “É um pouco maior, cheia de turistas, pessoas do mundo inteiro querem conhecer o berço do Renascimento. É um museu a céu aberto, são inúmeras esculturas e arquiteturas exuberantes, é lindo caminhar observando os detalhes, mas sinto falta das montanhas e da natureza que há em Bento”, analisa.

Além disso, Laís destaca que lá é muito difícil andar de carro. “Por conta do trânsito e de áreas do centro que são inacessíveis, mas como é tudo muito plano, é fácil e normal andar de bicicleta ou patinete por aí”, fala. E completa contando sobre outras particularidades no local. “Nas ruas, museus e restaurantes é possível escutar pessoas falando todos os idiomas ao seu redor, e é muito curioso observar as manias de cada um e aprender sobre outras culturas”, vislumbra.

Para ela, o primeiro desafio foi aprender italiano, teve que perder a vergonha e o medo que tinha quando chegou. “Comecei decorando coisas sobre mim que são básicas e sempre surgem em uma primeira conversa com alguém. Eu repeti tantas vezes, e aos poucos arriscava a continuar a conversa, conversando na feira, no bar, no coral, com qualquer estranho que encontrava. Fazendo vários erros, mas o importante era fazer-se entender”, menciona.

Assim como Thais, ela teve percalços por conta da burocracia, que é demorada e confusa, mas momentos positivos pela segurança que a região proporciona. “A melhor coisa é poder andar na rua sem me preocupar por ter comigo objetos de valor, com a hora que vou voltar para casa, sem precisar estar acompanhada para me sentir segura”, aponta.

Com a distância, Laís reflete sobre quem a espera na Capital Nacional do Vinho. “Sinto muitas saudades, aliás, estou indo para o Brasil semana que vem para passar um tempo com a família e com os amigos”, salienta. E acrescenta falando sobre os planos para o futuro. “Ainda quero descobrir muito mais desse mundão, viajar para outros países da Europa levando a música, tocando na rua, tocando com outros músicos, e conhecer o próximo estilo musical ou professor que vai me despertar a vontade de continuar estudando formalmente a música”, encerra.

Fotos: Arquivo Pessoal