Centro que funciona no IFRS de Bento Gonçalves desenvolve tecnologia que ajuda na inserção de pessoas especiais em toda rede

Na medida em que as pessoas percebem a importância de incluir aqueles com algum tipo de deficiência, surge também a necessidade de garantir que essa inserção seja plena. Isso passa necessariamente pelo respeito às diferenças e pela acessibilidade. Para responder à questão, os institutos federais contam com o apoio do Centro Tecnológico de Acessibilidade (CTA), em Bento Gonçalves.
O que começou como parte de um projeto de pesquisa em 2006, hoje atende toda demanda de tecnologia para acessibilidade (tecnologia assistiva) dos institutos espalhados pelo Brasil. Ao todo, são pouco mais de 200 alunos, entre 18 mil, com alguma limitação funcional, que frequentam as aulas e precisam do suporte.
Segundo a coordenadora do CTA, Andrea Poletto Sonza, tudo começou em 2006, quando a equipe foi convidada para fazer parte de um projeto de pesquisa do Ministério da Educação (MEC), de desenvolvimento de sistemas web, sites e portais acessíveis. “Nosso trabalho era de uma assessoria web. Ali por 2013 o projeto acabou, mas era algo bastante interessante, porque estávamos trabalhando com acessibilidade virutal e tecnologia assistiva”, lembra.
Andrea conta que a necessidade de avançar a pesquisa surgiu a partir das experiências com o desenvolvimento de sites acessíveis. “A gente verificou que precisava saber como as pessoas com deficiência acessavam, então passamos a entender o que era a tecnologia assistiva”, comenta.
Nisso, a coordenadora conta que se passou a perceber que o conceito não se limitava apenas a uma bengala ou uma cadeira de rodas, por exemplo. “Era uma metodologia, uma técnica, um equipamento. Criava a possibilidade para que as pessoas com deficiência fossem autônomas e independentes”, complementa. A partir do insight, o grupo começou a estudar sobre como produzir objetos que auxiliam pessoas com necessidades especiais, priorizando o baixo custo.
O projeto atual, que institui o CTA, prevê que seja atendida a demanda de todos campi do Instituto Federal, em nível nacional. Segundo Andrea, atualmente são 500 pedidos na fila. “Então agora é arregaçar as mangas e trabalhar. É um desafio bastante grande, pouca gente sabe o que é tecnologia assistiva e isso complica”, comenta.

Desenvolvimento tecnológico a serviço da acessibilidade

Ler o rótulo de um produto ou o jornal. Comprar no mercado sem auxílio de ninguém. Essas e outras tarefas eram inimagináveis para pessoas cegas há alguns anos. A popularização do celular e a preocupação com a acessibilidade modificou o cenário e hoje tudo isso é perfeitamente possível.
Além disso, a tecnologia também possibilitou que quem tiver o movimento de apenas um dedo, ou do pescoço, ou das pálpebras, consiga executar tarefas em um computador. No CTA há vários instrumentos assim, que foram desenvolvidos para responder às demandas dos estudantes.
Andrea conta da experiência de um aluno tetraplégico, que não conseguia escrever porque tinha o movimento da mão reduzido. “Nós colocamos a caneta em um facilitador e ele escreveu. Ficou muito feliz e disse que era simples”, relata.

Sensor em bengala avisa usuário quando tocado em uma poça da água. Foto: Lucas Araldi

Ela explica que no caso de um computador, a mobilidade pode ser substituída por acionadores e um simulador de teclado. “Por exemplo, o acionador vai fazer uma função do mouse, como uma tecla de liga e desliga. A partir disso, ela consegue fazer praticamente tudo”, observa.

Funções básicas do mouse são substituídas por acionadores. Foto: Lucas Araldi

Caso qualquer campus receba novos estudantes com alguma necessidade especial, ele pode solicitar o recurso adaptado de acordo com a necessidade. “A unidade entra em contato com a gente e aí a gente começa a desenvolver”, afirma. O mesmo se aplica para as provas de vestibular.
No momento, o CTA busca uma parceria com profissionais da saúde para qualificar o trabalho, mas a espera já dura cinco meses. “Nós temos que cuidar também da segurança, porque podemos fazer um acionador maravilhoso e que causa uma lesão no braço da pessoa”, aponta.

 

Entre o preconceito e a valorização das diferenças

Everaldo Karniel ensina outros cegos a utilizar recursos de acessibilidade dos smartphones. Foto: Lucas Araldi

O coordenador do Núcleo de Atendimento às Pessoas com Deficiência (Napne), Everaldo Karniel, nasceu com baixa visão. Hoje ele auxilia outras pessoas a utilizar recursos de acessibilidade do smartphone. Ao olhar Karniel usar o celular, aparece apenas uma tela preta, onde ele dá comandos pelo toque. Nela não há nada escrito, nenhuma imagem. “Às vezes eu estou usando no ônibus, com fones de ouvido, e as pessoas pedem se eu quero ajuda para ligar a tela”, se diverte.
De acordo com o coordenador, o recurso garante o sigilo de quem utiliza o smartphone. “Você pode ir navegando, para quem enxerga não aparece nada”, avalia. Na sua opinião, o fato de ser cego facilita na hora de explicar para os alunos como usar um leitor de tela, por exemplo. “Normalmente é mais fácil ensinar os outros quando se usa a tecnologia do que se comparado a alguém que não tem domínio. Sempre tem que ter o acompanhamento de uma pessoa cega para ensinar”, afirma. As aulas também têm acompanhamento dos bolsistas do programa.
Segundo Karniel, o leitor de tela é muito comum entre as pessoas que não enxergam. Já, quem enxerga, nem sabe que existe. “Por isso é muito mais tranquilo para uma pessoa cega ensinar as outras que não enxergam, também. A linguagem fica muito mais familiar”, afirma.

Antes e depois da informática

Na opinião do coordenador, antes da expansão da informática, era muito mais difícil para os cegos fazerem qualquer atividade, na medida em que ficavam dependentes, como, por exemplo, para ler um jornal. Já hoje, Karniel avalia que a mobilidade aumentou muito. “Muitos pensam que computador nao é para cego, porque é visual, é gráfico. Mas ao contrário, ele deu uma ajuda incrível. Imagina como se lia o jornal antes da informática?”, argumenta.
De acordo com ele, as pessoas cegas não têm praticamente qualquer perda, com a infinidade de aplicativos e opções que existem atualmente. “Ela passa a ter uma perda por causa do desconhecimento das pessoas que produzem material digital que não seja acessível”, afirma.

Cultura preconceituosa

Karniel aponta que o preconceito ainda representa um problema para a inclusão, visto que por muito tempo as pessoas com deficiência não tinham qualquer direito. “Agora a gente está em uma era de valorização das diferenças e temos que ter tecnologias que nos atendam. Graças a elas é que se está conseguindo minimizar muito das limitações”, ressalta.
Ele ainda cita a convenção da Organização das Nações Unidas (ONU). “Diz que a deficiência nao está na pessoa, está na sociedade. São pessoas diferentes, com características diferentes. A sociedade tem que criar mecanismos para que todas as características consigam ser consideradas”, aponta.

Tecnologia desenvolvida por demanda

Um dos principais entraves da ciência brasileira é a transferência de tecnologia. Ou seja, fazer com que aquilo que é pesquisado e criado no ambiente universitário seja acessado pela sociedade, de forma geral.
Na opinião do reitor do Instituto Federal de Educação do Rio Grande do Sul (IFRS), Júlio Xandro Heck, esse problema nao é enfrentado pelo CTA, na medida em que a tecnologia nasce sob demanda. “A sociedade nos diz o que precisa e o Centro desenvolve e alimenta essa demanda. Assim já nasce com aplicabilidade, porque se começou a ser desenvolvido aqui, é porque alguém precisa”, comenta.
Na sua avaliação, essa é a principal diferença com relação às pesquisas tradicionais. “A gente inverte a lógica na origem, mas isso nem sempre acontece nas universidades”, reitera.
Atualmente, são 38 IFs, dois Cefets e um colégio, distribuídos por todo Brasil. De acordo com Heck, a necessidade de atendimento à pessoas especiais, dentro da rede, cresce a cada ano. “Isso significa que estamos conseguindo cumprir nosso papel social, de trazer esses estudantes para dentro”, observa.
Segundo ele, há cinco anos, eram cinco alunos, hoje são pouco mais de 200. “Tomara que no ano que vem sejam 400, nosso objetivo é ser uma instituição inclusiva, é um número dinâmico”, aponta.
O reitor acredita que o CTA consegue abranger outros órgãos públicos ou instituições de ensino que tenham demandas por tecnologia assistiva, contudo, a verba não é suficiente. “A gente consegue cumprir um papel na sociedade de Bento e do estado que é maior que nossos alunos. Mas falta recurso. Até agora nao liberou as vagas para profissionais, que foram prometidas no edital do início do ano. A gente faz todo o esforço possível, mas falta contrapartida”, avalia.

Necessidade de investimento

Segundo o reitor do IFRS, Júlio Xandro Heck, faltam recursos para tecnologia assistiva, assim como para outras áreas prioritárias para os institutos federais. De acordo com ele, há condições de ampliar o atendimento. “A gente coloca nosso recurso para atender nosso aluno. Mas se o grande empresário que tem limitações com funcionários, ele pode nos ajudar também e, a gente, por consequência, devolver para ele”, sugere.

Simples e útil

Segundo a pró-reitora de Extensão do IFRS, Marlova Benedetti, o que é desenvolvido no CTA ajuda muito quem tem necessidade especial. “São coisas que parecem muito simples, mas que impactam muito na vida das pessoas. São questões que para gente, que nao tem nenhum tipo de necessidade especial, é difícil de perceber. Isso muda muito na vida”, comenta.