Odeio chocolate! Abomino o prazer quase sensual que ele provoca quando as papilas da língua se encharcam de creme crocante, compacto, aerado, apimentado, mentolado, recheado (“Boiling”, “Fondants”, “Croquant”, “Gianduia”, “Marzipã”, “Praliné”, “Nougat”, “Palets”, “Ganache”…). Ó céus! Quanta volúpia nesses palavrões! Como resistir?

Por isso, num dos encontros familiares, com o desejo aprisionado, decretei: “Não aceito mais chocolate e afins no aniversário, Páscoa, Natal, coisa e tal. E ponto final”.

É claro que o pessoal não gostou. Embora divino, chocolate é um presente de preguiçoso: não exige o menor esforço para escolher.

A partir da ordem, cada um dos envolvidos afetivamente sentiu-se na obrigação de pesquisar minhas preferências, de investigar os detalhes inerentes a cada idéia (tamanho, circunferência, cores, autores e lá vai…), sabendo ainda do risco de não agradar. E o Dia das Mães se aproximava…

Então o segundo domingo de maio chegou. Quando vi todos reunidos, já imaginei um baita embrulho que me seria entregue a seis mãos. Afinal, tratando-se de três patrocinadores, devia ser um presentão de peso. Mas, que nada! De tão leve, só um dedo polegar na alça da fita foi suficiente para erguê-lo.

Como toda mãe que se preza, escondi a pitada de frustração atrás do sorriso, até porque é a intenção que vale… embora o inferno esteja cheio de bem-intencionados. Mas enquanto abria o pacotinho, resolvi lançar algumas farpinhas de nada, em forma de brincadeira, só para mexer com o brio deles…

Sem muita paciência, acabei rasgando o papel dourado, que escondia… Tcham-Tcham-Tcham-Tcham: um porta cheques. De couro… talvez sintético, ecologicamente correto. Outro sorriso de agradecimento não muito convincente (só uso cartão), outra piadinha do tipo “vou ver se vocês não esconderam um cheque assinado aqui dentro, cheio de zeros…”.

Então ele apareceu. Não um cheque, mas um vale viagem para Buenos Aires – pacote completo para duas pessoas, com direito a show de tango e tudo o mais. É mole?

Está certo! Não é um tour pela Europa, África, Ásia, nem mesmo para a Patagônia, mas convenhamos! Pra quem só pisou em avião fincado na terra (próximo a Garibaldi), permanecer no ar durante uma hora é um grande avanço. Que Deus me ajude!

Disputa de território

Meus dois inquilinos alados vindos do pampa mudaram-se para a esquina. Agora assumiram o poder e montaram guarda para que os outros pássaros não mais se regalem com a quirela depositada num canteiro. Já era tempo! Pombinhas mal conseguem voar de tão obesas. É o ônus da modernidade.