Não! Não se trata da votação do impeachment de domingo à noite. Se bem que há algumas semelhanças, mas que não passam de meras coincidências.

Neste duelo, as partes adversárias permanecem mudas, e o ataque é inevitável. Vamos à pequena retrospectiva:
Eu as conhecia da televisão, acho que de um programa da Discovery Chanel… ou do Globo Rural. Vê-las pessoalmente, em pêlo, assim barrigudas e bronzeadas foi uma apetitosa surpresa.

Contei: eram doze – mas havia mais aguardando nos bastidores, para entrarem em cena quando necessário. Estavam cuidadosamente perfiladas na travessa e exalavam um odor de virar a cabeça. Não sou muito boa na cozinha, mas de cheiros entendo. Naquele look aparentemente simples, estavam ocultas especiarias, com certeza. Reconheci um toque de laranja, de sálvia, orégano, alho, pimenta e um quê de vinagre. Acho que foram fortemente massageadas com essa mistura antes de irem ao forno.

No grupo, a conversa morreu assim que a iguaria foi à mesa. No lugar das risadas, um sonoro “Uau!”.
Fitei-as. Nuazinhas da silva, sem marca de alcinhas ou lacinhos. Tom de pele perfeito, de quem usou bom “protetor solar” à base de azeite de oliva extra-virgem. Sem rugas e infladas por um recheio de azeitonas pretas.
Embora mudas, exibiam-se. Praticamente ofereciam-se. Sem pudor. Um acinte aos vigilantes do peso!
E o duelo teve início. Eu ameaçando com o garfo de prata; elas rebatendo com sua fragrância de ouro.
Estava pronta para o ataque, já com a mão erguida, quando então vacilei. Um filme passou pela minha cabeça. Lembrei delas, livres, saltitantes e felizes, passeando pelo cativeiro.

Paradoxo? A vida é cheia de paradoxos! Olha só o quadro político brasileiro! Um sistema que gera esquemas de corrupção. Teoria e prática que se opõem. Discursos de palanque versus realidade.
Mas voltando ao duelo: ceder ou não ceder?

Cedi! Com repentina destreza, enfiei o garfo numa delas, na mais exuberante. Era uma codorna suculenta, que se mostrou tenra e dócil. Mas logo percebi que, sob o manto do sabor, residia sua vingança: as farpas. Dezenas de ossinhos pontiagudos me impediram de degustar o prato.

É o que acontece com a política brasileira em cena. Se você não se identifica com nenhuma das facções dominantes, porque todas estão contaminadas pela corrupção até a raiz, as farpas o estocam até você optar por um dos lados. E então você torce para que a luz no final do túnel não seja um trem chegando…