Bento-gonçalvense coordena pesquisa para entender os efeitos da sepse em hospitais

A sepse é a principal causa de morte nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) e hospitalar tardia, superando o infarto do miocárdio e o câncer. Os dados são do Instituto Latino Americano de Sepse. Segundo um levantamento feito pelo estudo mundial conhecido como Progress, a mortalidade da sepse no Brasil é maior que a de países como Índia e a Argentina. Para entender todo esse processo, um bento-gonçalvense lidera um estudo inédito na área. Felipe Dal Pizzol é um dos médicos pesquisadores referência no assunto. Há 15 anos desenvolvendo trabalhos e projetos sobre sepse, o profissional dedica parte do seu tempo, em parceria com o Instituto Pasteur, em Paris, na França, um dos mais renomados centros mundiais, para estudar os efeitos das infecções no cérebro.

Resultados apontam alternativas para tratamentos futuros. Foto: Divulgação

Conforme o especialista, pacientes que sobrevivem à sepse sempre enfrentam problemas para voltar à vida ativa. As principais sequelas encontradas estão voltadas para os déficits cognitivos, aceleração do processo de demência, dor crônica, fraqueza muscular e dificuldades de fazer as tarefas do dia a dia. “Características dos pacientes como idade, imunossupressão, doenças clínicas graves, são mais determinantes do número de infecções graves”, aponta.

Assim que iniciou os estudos, o bento-gonçalvense buscou pesquisar, de maneira geral, os efeitos que a sepse provocava no organismo. Dal Pizzol voltou suas investigações na questão da disfunção cerebral relacionada à sepse. “No final do meu doutorado, surgiu a ideia juntamente com minha esposa (que fazia, na época, residência em medicina intensiva), em reunir os dados colhidos, numa doença muito prevalente em medicina intensiva. Com isto, iniciou o meu interesse em entender mais da doença e percebi o quão importante seria compreender melhor os mecanismos dela”, explica.

Conforme o médico e pesquisador, a primeira demonstração que apresentou alterações no organismo após sobreviver a uma infecção cerebral foi durante um estudo realizado com ratos, onde eram visíveis as mudanças cognitivas. Os animais não conseguiam realizar uma tarefa que um rato normal faria. “A disfunção cerebral na sepse é muito comum, e, possivelmente, seja a orgânica mais comum na infecção. Assim, tem impacto tanto a curto quanto a longo prazo”, aponta.

Segundo Dal Pizzol, o estudo do comportamento do cérebro a longo prazo na sepse é recente. “Estamos compreendendo melhor os mecanismos que levam a estas alterações. Até pouco tempo, de maneira geral, a disfunção cerebral não era estudada. A atenção maior era dada a disfunção renal, pulmonar, circulatória. Hoje em dia, tantos estudos de mecanismo da doença e estratégias para minimizar na prática clínica, estas alterações estão em andamento. Provavelmente, a médio prazo poderemos ter estratégias, tanto para prevenir, quanto para tratar estas alterações”, observa.

Situação dos hospitais no Brasil

Estudos nacionais apontam paridade quando o assunto é a infecção hospitalar. Conforme Dal Pizzol, dados publicados pelo instituto Latinoamericano de Sepse (Ilas) apontam que a mortalidade em hospitais públicos (SUS), pode ser similare a de saúde suplementar (particulares). No estudo, a letalidade global foi de 55%. A mortalidade na região Sudeste foi de 51,2%, menor do que a das demais regiões (Centro-Oeste: 70%, Nordeste: 58,3%, Sul: 57,8% e Norte: 57,4%). “O estudo mostra que sim, instituições com menor disponibilidade de recursos têm maior mortalidade. Então, depende muito da realidade individual de cada hospital, independentemente de ser público ou privado”, explica.

Casos abaixo da média no Tacchini

Atualmente, o termo infecção hospitalar tem sido substituída por Infecção Relacionada à Assistência à Saúde (Iras). Essa mudança abrange não só a infecção adquirida no hospital, mas, também, aquela relacionada a procedimentos feitos em ambulatório, durante cuidados domiciliares e à infecção ocupacional, adquirida por profissionais de saúde.

De acordo com a médica infectologista do Hospital Tacchini, Nicole Alberti Golin, óbitos ocorrem na casa de saúde por problemas relacionados a infecções adquiridas durante a internação hospitalar. Porém, os números ficaram abaixo da média nacional. “Como em praticamente todas as instituições de saúde, ocorreram óbitos relacionados à infecção nos últimos dois anos, porém em número muito baixo”, garante.

A infectologista disse que são realizados todos os procedimentos determinados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), além de acompanhar a execução de um plano de ação revisado anualmente, que abrange todos os setores da assistência. “As atividades preventivas incluem medidas de vigilância sanitária e epidemiológica, identificação e classificação dos casos de IRAS, prevenção e controle de surtos, notificação de infecção entre hospitais (na transferência de pacientes), busca ativa de casos, mesmo após alta do paciente, vigilância da qualidade da água utilizada na instituição, aplicação de auditoria diária nas unidades críticas e semicríticas, visitas técnicas internas e externas, controle diário do uso racional de antibióticos, atualização e validação de manuais, validação de reformas e plantas físicas, envio de relatórios à vigilância sanitária conforme solicitados, além da realização de treinamentos e participação em Comissões relacionadas à qualidade e segurança da assistência prestada aos pacientes”, explica.

Pioneirismo na pesquisa

O médico bento-gonçalvense, Felipe Dal Pizzol afirma que o estudo inédito é um caminho aberto para pensar no futuro. “O pioneirismo é altamente relevante na produção científica e tem grande impacto na geração de novos conhecimentos. Sempre tentamos olhar para o futuro e isso mantem a ciência avançando”, explica.

Com base nos resultados que estão sendo obtidos ao longo da pesquisa, Dal Pizzol acredita que seja dado um maior enfoque nas infecções hospitalares. Grupos de doenças crônicas e com múltiplas terapias são os mais afetados nos casos de sepse, pois possuem a tendência de baixa imunidade e, por isso, estão expostos ao aumento de risco de infecção. “Aliado a isto, temos a resistência a inúmeros antibióticos por diferentes bactérias que são multiplicadas e as opções de tratamento com novos antibióticos são muito pequenas. Medidas simples, como lavar as mãos, são importantes e a implantação destas, reduzem a incidência das infecções. Mas, o cenário atual sugere que se não tratarmos com mais intensidade, esse pode ser um problema muito maior nos próximos anos”, garante.

Rinaldo Dal Pizzol ressaltou a importância do trabalho do filho. Foto: Reprodução

Orgulho da família

O trabalho do médico bento-gonçalvense enche de orgulho a sua família, que continua morando na Capital do Vinho. Entusiasmado, o pai de Felipe, Rinaldo Dal Pizzol, sente-se orgulhoso. “É um trabalho de contribuição humanitária. Quem se dedica a isso é formidável. Um tema sensível e que, com certeza, vai mobilizar as autoridades de saúde do país. Como pai, eu me sinto honrado e feliz”, comenta.