Talvez você não esteja lendo isso num domingo. O que importa é que estou escrevendo este texto num domingo à tarde. É a primeira vez em séculos que escrevo num domingo. Não digo por você, falo por mim: não gosto muito do domingo. Escrevi um epigrama há muitos anos que recebeu algumas críticas e muitos elogios: “A tarde de domingo é uma teta caída”.

Domingo é um dia encarnado na alma e no calendário. Basta verificar que quase sempre vem assinalado em vermelho.

No domingo a banda toca de outra forma.

Domingo desses, uma amigo de longa data, convidou-me para ir a sua casa, mas onde encontrar ânimo de sair, atravessar a cidade melancólica, e encontrá-lo para botar a conversa em dia, desatar às gargalhadas de velhas piadas e matar a saudade?

Domingo é dia em que a musiquinha depois do Fantástico prenuncia desumanamente a segunda-feira apática, com celular gritando, patrão dando ordens, colegas enchendo os tubos, as contas a pagar, o saldo bancário a avermelhar.

Na segunda-feira tem-se a sensação de estar no lugar errado e a segunda quase nunca é de primeira.

O domingo já foi bem diferente do que é agora.

Domingo era dia de missa, agora é dia de preguiça.

Domingo era dia do santo padroeiro, agora é dia de Silvio Santos.

Domingo era dia de banho de cachoeira, jogar bola, passear de moto, agora é dia de sofá, banho de ducha e controle remoto.

Domingo era dia de maquiagem, roupa nova e passear de mãos dadas, agora é dia de cabelo desgrenhado, ressaca e cara lavada.

Domingo era dia de macarronada na casa da vó, agora é dia de desatar nós e chorar só em algum canto da casa.

Domingo era dia de celebrar a alegria com a família reunida, agora é dia de pedalar na ciclovia.

Domingo era dia de namorar no portão, agora é dia de atender adventista com uma pasta preta na mão.

“Hoje os meus domingos
São doces recordações
Daquelas tardes de guitarras
Sonhos e emoções”,

Cantou um dia (acho que não foi num domingo) Gal Costa.

Domingo começa com D de desalento, desânimo, descontentamento.

Domingo é dia em que no lado de lá tiros e sirenes, no lado de cá um sofá que ronca.

Domingo é um dia incível só na TV: Domingo Legal, Domingo Espetacular, Fantástico, Domingo da Gente, Domingão do Faustão.

Claro que o domingo também tem seu lado bom. Dormir até tarde. Dormir até as horas da manhã irem altas, faça tempo ruim, faça tempo bom. Vestir um jeans surrado, uma camiseta que já viu dias melhores, ficar na ponta dos pés e espiar pela fresta da cortina a rua se desmanchando ao sol.

Nos dias de frio, o domingo convida para um fogo na lareira, um bom vinho, um ótimo filme e uma grande companhia.

Nos dias de calor, o domingo convida para passar ao ar livre, torcer pelo seu time no estádio, andar de bobeira na cidade.

Talvez, o melhor mesmo seja fazer greve no domingo; não fazer absolutamente nada.

 

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