Ela chegou com um título “très chic”, mas humilde e carente como é de sua natureza. Ganhou a casa e os corações. Com o passar do tempo, sua verdadeira origem se revelou. Da “Bichon Frisé”, sobrou um “bichinho fraquê”, suscetível a infecções e alergias, que foram se tornando crônicas, exigindo cuidados especiais que incluíam muita medicação. De modo que passou a vida toda se coçando e tomando remédio.

Mas ninguém fica impune ao bombardeio de drogas. Como dizia a personagem de um programa de humor, remédio “é uma arma de dois legumes”.

Nesta semana, aos treze anos, o equivalente a uns oitenta e alguns, considerando-se a idade humana, a cachorrinha foi pra cirurgia. Um tumor gigante que se pendurara no fígado precisava ser retirado.
Fui visitá-la. De dar dó. Uns vinte cães lhe faziam companhia, cada qual em sua gaiola/apartamento, escolhidas de acordo com o tamanho dos inquilinos. Havia cães atropelados, cães operados, cães semianestesiados, cães assustados, cães tristes… e um gato mudo. Apesar do desvelo da equipe, a saudade era evidente no olhar da bicharada.

Babi, no seu quadradinho, tentando se erguer nas patinhas meio desconjuntadas, sem saber o que lhe tinha acontecido. Por que estava presa? Por que eu a tinha abandonado? Por que doía tanto? Que mal ela fizera?
Chamei-a. Ela continuou de cabeça baixa, o que era óbvio, já que está, há algum tempo, totalmente surda. Quando percebeu minha presença, uma nesga de luz brilhou no olhar meio estrábico. Ela levantou o focinho levemente torto e chorou. Bom, não sei dizer se foi ela, se fui eu, ou se choramos juntas. O certo é que o dique arrebentara e uma enxurrada encharcava minha blusa. Me alcançaram um lenço de papel pra estancar aquela “gripe” repentina.

A despedida foi triste demais. Agora ela uivava feito uma criança sendo tirada do colo da mãe. Saí tentando esconder os olhos, que chamavam a atenção do povo todo. Que coisa! Adulto não tem o direito de chorar sem constrangimento.

Lá fora, também caía um aguaceiro. Dei graças a Deus por isso e deixei que a chuvarada lavasse o rosto e a alma.

Já em casa, me dei conta de que a dor de cabeça infame que vinha me torturando, tinha sumido. Curiosa, pesquisei e descobri que as lágrimas têm a capacidade de limpar os olhos, hidratar os globos oculares e liberar hormônios que têm efeito analgésico – a oxitocina, noradrenalina e adrenalina. Então, adeus Neosaldina!

Ah! A Babi? Já voltou ao lar.