Depois de um arrasta-pé, o “Quinteto em Sy” se refugiou numa cabana no meio do mato, onde pretendia recarregar as baterias dormindo até o sol se pôr no dia seguinte.

Caíram na rede de roupa e tudo, menos o fulano que usava lentes. Este teve o cuidado de retirar as películas quase invisíveis, através das quais ele via o mundo sem estar borrado ou desfocado. Na verdade, até já usara óculos, mas, cansado do quadradinho limitador da armação, resolvera ampliar o campo visual. E o fez com lentes de contato. Tecnologia de ponta, diga-se de passagem. Caríssimas! Mas tudo vale a pena quando o ganho não é pequeno. E não foi mesmo! De repente, o mundo em 380 graus! No início, era como sentar na primeira fila do cinema. Um absurdo de paisagem te engolindo. Com o tempo, veio a adaptação, e a vida ganhou novo sabor.

Com o ruído dos “serrotes cortando madeira”, a cabana parecia viva. O eco dos roncadores repercutia na mata. De madrugada, o “serralheiro” mais barulhento acordou com a boca totalmente seca e com uma queimação no estômago que mais parecia o Inferno de Dante. Além da desidratação promovida pelo álcool ingerido na noitada, borbulhava a azia, ajudando a piorar o quadro. Em resumo: o cara tinha que tomar água com urgência, ou corria o risco de ver sua língua movediça afundando goela abaixo. Mas a ressaca era imensa e a prostração o imobilizava.

O bebum passou os olhos pela área tentando medir o espaço. Pra ir até a cozinha teria de desviar dos amigos e percorrer intermináveis dez metros. Ia fazer um esforço sobre-humano para levantar-se quando suas pupilas de gato mudaram de forma… “Olhaíííí, que beleza!” Era a resposta à emergência: um maravilhoso copo d’água ao alcance de sua mão.

E veio a segunda parte desta comédia nada divina: o Paraíso. Ao beber o líquido precioso que repousava no copo, o cara quase teve um orgasmo. E deixando um filete escorrer pela barba, relaxou o lombo na rede e voltou a dormir.

Que nem um anjo.

Dante Alighieri, autor do poema épico, não aprovaria a comparação, nem a inversão da ordem – desde quando o

Paraíso antes do Purgatório? Mas estamos na vida real, há sete séculos depois da morte dele. Então…

O Purgatório se abriu quando o moço míope acordou, horas depois. O papo bizarro que se seguiu deixou todos em estado de alerta:

-Gente, cadê o copo d’água que estava aqui?
-Eu bebi. Mas fica frio que apanho outro…
-E minhas lentes?
-Que lentes?
-As que estavam no copo com água, cascalho! (O cara não dizia palavrão)
-Ai, meu Deus! Ai, meu Deus! Virei “mula”. Não vou tomar laxante!

Como se pode imaginar, as lentes não foram resgatadas. Mas nada que uma boa grana e a Nanotecnologia não pudesse resolver. Por falar em Nano, foi ele mesmo quem me contou essa história. Abraço, Nano!