Com custos que giram em torno de R$ 5 mil a R$ 15 mil mensais, entidades de proteção animal cobram ações concretas para minimizar a situação em Bento Gonçalves
Pelo menos duas Organizações Não Governamentais (ONGs) de Proteção Animal sofrem com a alta demanda de ocorrências e gastos para custeio de tratamentos e alimentação de cães e gatos em Bento Gonçalves. Situações como esta são recorrentes na maior parte dos municípios brasileiros. A ausência de políticas públicas de controle de natalidade animal, bem como, a escassez de espaços públicos adaptados para abrigar animais em situação de vulnerabilidade, colocam no colo de associações a responsabilidade que, em sua maioria, deveria ser do Poder Público.
Somente no ano passado, dezenas de animais em situação de maus-tratos foram recolhidos das ruas por equipes do Instituto Por Mais Empatia. Neste ano, nos primeiros dois meses, pelo menos 21 animais foram resgatados e passaram pelo atendimento veterinário. A coordenadora da entidade, Letícia Bonassina, de 26 anos, revela que além do trabalho em buscar o animal, os gastos com tratamento veterinário, medicação e alimentos, precisam ser pagos por meio de doações que, muitas vezes, são escassas em decorrência da alta demanda de ajuda. “Hoje, nosso Instituto se encontra em uma crise econômica, pois temos muitos gastos com consultas e internações e não estamos conseguindo realizar as castrações dos nossos animaizinhos”, explica.
Segundo Letícia, em média, cada animal resgatado custa a entidade, mensalmente, R$ 300, além consumo de alimentação. “Temos um gasto fixo de R$ 15 mil mensais e uma dívida de R$ 30,9 mil com clínica veterinária que só aumenta. Não gostamos de tratá-los como números, pois são vidinhas que merecem muito amor. Passam tão pouco tempo conosco e é muito injusto que sofram na mão de pessoas ruins, mas infelizmente estamos sem condições de resgatar mais animaizinhos”, revela.
Ainda, conforme a ONG, que é uma de tantas outras existentes na cidade, por dia, são cerca de 10 chamados de ajuda que envolvem desde resgate até pagamento de tratamento veterinário. Além disso, Letícia destaca que é preciso entender que as entidades não são responsáveis pelas políticas públicas da cidade. “O pessoal acha que é apenas chamar as ONGs que está tudo resolvido, alguém vem recolher. Mas esquecem que é dever do cidadão de bem comum fazer algo pela sua comunidade. Fica muito fácil receber ajuda dessa forma, colocar a responsabilidade nas costas de voluntários que já estão tão cansados. A população esquece que essa não é a nossa responsabilidade, e sim do município”, afirma.
Atualmente, a entidade conta com 43 cães e gatos disponíveis à adoção. Segundo Letícia, eles ficam hospedados nas casas de voluntárias. Em casos de animais feridos e que precisam passar por tratamento veterinário, estes permanecem internados e, após alta, ficam disponíveis para serem adotados. “Nosso instituto vive hoje de doações, venda de rifa e de um brechó onde nossos colaboradores sempre nos trazem doação de peças em bom estado. Vale ressaltar que nossa instituição não recebe nenhum tipo de verba pública, tanto do Município quanto do Estado. Nós somos apenas voluntários que temos outras atividades e um trabalho fora da causa animal. Falta bom senso em muitas das pessoas que nos solicitam ajuda, acreditam que temos a obrigação de resgatar. Mas não acionam os órgãos responsáveis da cidade. Que inclusive no momento que são acionados ficam com empurra empurra, passando para a população que eles tem que pedir ajuda as ONGs”, desabafa.
Outra entidade que aponta situação delicada é a Associação Amigos Pet BG. A protetora de animais Morgana Formaleoni, de 39 anos, que auxilia no resgate de animais atropelados e abandonados há cerca de 10 anos, afirma que nos últimos tempos, a situação se agravou na cidade, tornando quase que inviável a manutenção das atividades do órgão. Com um custo mensal de aproximadamente R$ 5 mil, a entidade deixou de realizar o resgate de animais no momento, em decorrência da alta despesa e baixa receita. “Nossos custos são altos para manter os nossos (animais) em lares pagos”, pontua.
Hoje, segundo a protetora, a Associação possui três animais para adoção imediata.
Como abandonar animais nas ruas é crime, mas ainda é uma prática comum mesmo com a ampliação da capacidade, o problema da falta de espaço deve continuar enquanto o abandono ainda existir. Por possuir longa caminhada em defesa da causa animal, Morgana afirma que o ideal para uma cidade do porte de Bento Gonçalves seriam ações de castração de animais em situação de rua em massa. Assim, haveria redução na reprodução desenfreada. “Como houve uma parada na realização de castrações pelo município, a situação volta a ficar complexa. Para se ter uma ideia, em um ano, quando ocorriam as castrações pela prefeitura, nossa entidade conseguiu realizar 200 procedimentos”, aponta.
A protetora ainda afirma que a construção de um canil público não resolveria o problema, já que demandaria recursos humanos e atenção especial. “Para mim, canil é só um depósito de animais”, enfatiza.
Prefeitura diz garantir acesso às castrações
Desde 2022, a prefeitura de Bento Gonçalves garante que realiza investimentos direcionados à causa animal. As ações envolvem desde a hospedagem de animais abandonados até cirurgias, como castrações, por exemplo. O montante, segundo a Administração, chega R$ 1,2 milhão. Em casos de animais que precisam de local para permanecerem até encontrarem um novo tutor, o município diz garantir o pagamento de estadia. “Os animais vítimas de maus-tratos, que são retirados de seus tutores pelos fiscais do meio ambiente, são alocados em um lar de passagem pago até que estejam aptos e esses depois seguem para adoção”, explica o secretário de Meio Ambiente, Volnei Tesser.
Atualmente, o município possui dois canais para denúncias de maus-tratos: o telefone da ouvidoria, (54) 3055-7142 ou pelo 0800.979.6866.
Legislação contra maus tratos prevê detenção de até cinco anos
Em 2020, o Congresso Nacional aprovou um projeto de lei que aumenta as penas para maus-tratos a cães e gatos. O texto foi aprovado na Câmara no final de 2019 e foi sancionado pelo então presidente da República, Jair Bolsonaro.
Com a mudança na legislação, a prática de abuso, maus-tratos, ferimento ou mutilação a cães e gatos pode gerar punição com pena de reclusão, de dois a cinco anos, além de multa e proibição de guarda.
Fotos: Ascom Prefeitura de Bento Gonçalves e Instituto Por Mais Empatia