Retomando minhas incursões pelo bairro, percebi algumas mudanças comportamentais nos caninos, especialmente na grande família, onde convive meia dúzia de cães de grande porte e raças indefinidas. Eles costumavam me dar a pata sem disputas. Agora, o marronzinho está no alto da hierarquia e comanda as ações com violência, não permitindo a aproximação dos outros até a grade. Ontem, o branquinho de três pernas (perdeu uma em acidente), que já me visitou em casa, por ocasião de uma fuga, bisbilhotando até nos quartos, quis mostrar seu reconhecimento. Ele foi derrubado pelo líder e mantido em posição humilhante até eu me afastar. O que teria acontecido para o vira-lata agir com tamanha truculência? Descobriu-se macho alfa?

Já a magrela de outro pátio precisou ser afastada devido à sua agressividade. Suspeito que tenha atacado novamente a de porte menor e mais antiga na casa, que anda sumida. Pobrezinha! Tão fofa e mansa, sempre à mercê das investidas arbitrárias da usurpadora, que já chegou arreganhando os dentes. Mas não acredito que a agressora tenha má índole. Acho que deve ser tensão acumulada pelos maus tratos antes da adoção.

O espaço acima é para sinalizar que deixei o texto marinando enquanto fui dar uma voltinha. E, vejam só: descobri que o tal macho alfa da grande família canina é fêmea. Então passei a prestar mais atenção nos demais terreiros onde a cachorrada é de lascar. No seguinte, macho grandão e pachorrento; fêmea furiosa e “saliventa”. Subindo um pouco: macho pequeno e doce; fêmea enorme e de poucos amigos. Na outra quadra, alguns carentes e chorosos, que pleiteiam um lugar ao sol, enquanto elas seguem no comando. Será que as cachorras estão subvertendo a ordem, cansadas de serem submetidas à exploração reprodutiva?

O tema me reporta a um fato crucial e cruel: a exploração de matrizes caninas. Se eu pudesse fazer um desejo para o próximo ano, pediria para que essas mãezinhas esquálidas sepultadas vivas nos porões da ganância se arvorassem e se agigantassem e abocanhassem e mastigassem seus carcereiros até que todas as portas fossem abertas. E essas criaturas tivessem seus corpos e almas cuidadas. Mas como isso é impossível, espero que Deus dê um empurrãozinho iluminando os homens da lei para que façam e apliquem legislação que liberte esses pobres animais da sanha humana.