Segundo a Deam, se em anos anteriores era registrado um caso a cada dois meses, em 2020, o índice cresce para um a cada dois dias

Quase metade das cidades do Rio Grande do Sul registrou pelo menos um caso de estupro em 2019, segundo indicadores da Secretaria de Segunça Pública (SSP). Se nos últimos anos, Bento Gonçalves teve uma média de três a sete ocorrências contra a dignidade sexual, este ano, somente nos primeiros 20 dias do mês de fevereiro, 11 casos foram apresentados na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) local. Isso significa que, se antes era uma situação a cada dois meses, o número ascendeu para uma a cada dois dias.

Segundo a delegada titular da Deam, Deise Salton Brancher Ruschel, “não é um número positivo, claro, mas é algo que nos impulsiona a seguir ainda mais com o acolhimento adequado às vítimas”, destaca. Essas, todas mulheres, são adultas, adolescentes e também crianças, em sua maioria, até 12 anos, que convivem com a violência no ambiente intrafamiliar. Deise descarta qualquer vínculo entre os casos.

A repercussão e divulgação nas grandes mídias, além de campanhas de proteção contra a importunação sexual, podem ter colaborado para o aumento vertiginoso nos índices. É o que acredita a Delegada. “Há situações que nem sempre chegam até nós. Os serviços, como as palestras em escolas e capacitações a funcionários públicos, oferecidas pelo Comitê Municipal de Enfrentamento das Violências contra Crianças e Adolescentes, podem ter um percentual de contribuição”, observa.

Quem comete esses crimes não apresenta um perfil ou um comportamento específico, ou seja, qualquer pessoa pode ser um potencial abusador e/ou explorador. “A violência sexual está presente em todas as classes sociais e é cometida por indivíduos de todas as raças, credos e orientações sexuais. A maioria dos casos noticiados envolve pessoas de baixa renda. Mas, por nossa experiência e pelos estudos, é sabido que a violência contra crianças e adolescentes, assim como contra a mulher, não é um ‘privilégio’ de pobres ou ricos”, pontua.

Assim que as denúncias chegam à Deam, a ocorrência é registrada, aberta uma investigação e entregue às perícias cabíveis. De acordo com a redação do artigo 217-A, do Código Penal, “aquele que mantiver relação sexual ou praticar outro ato libidinoso com menor de quatorze anos incorrerá na prática do crime de estupro, sujeitando-se à penalidade de oito a quinze anos de reclusão, independentemente de ter agido com culpa ou dolo”.

Sancionada em 24 de setembro de 2018 pelo então presidente da República em exercício, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), a lei 13.718, alterou artigos do Decreto-Lei 2.848, de 1940, para tipificar os crimes de importunação sexual, — ou seja, “toda prática contra alguém e sem a sua anuência de ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”, conforme assinala o Artigo 215-A — até então considerados apenas contravenção penal. “São atos como passada de mão, atos obscenos sobre a vítima, palpação de suas partes íntimas, enfim ações de causar incômodo a alguém com a intenção de se satisfazer”, finaliza a Delegada.

Sinais de violência

A conduta e a fala da criança podem sinalizar que algo está errado. A psicóloga do Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPS-i), Janice Mezacasa Cavalini explica que, “de uma forma mais geral, na maioria dos casos os pais ou pessoas próximas percebem uma mudança no comportamento das crianças ou adolescentes, como tristeza, desânimo e isolamento”.

Quando diagnosticado, após registro do Boletim de Ocorrência, ou encaminhado ao Conselho Tutelar, o caso é direcionado à Secretaria de Saúde para exames e ao CAPS-i para avaliação psicológica. “Cada criança tem uma maneira diferente de lidar com o trauma, é muito difícil exemplificar uma reação”, pondera.

Os pais são peças fundamentais na orientação precoce. Como os abusos ocorrem cada vez mais cedo, o melhor caminho é a educação e conversas constantes. “Os pais devem estar sempre atentos às suas crianças, devem conversar e orientar. Tem livros infantis que falam sobre o assunto e também uma cartilha feita pelo Comitê Municipal de Enfrentamento da Violência que pode auxiliar”, conclui a psicóloga.

A reportagem do Jornal Semanário tentou entrar em contato com o Conselho Tutelar para que se manifestasse sobre a situação, mas não obteve retorno até o fechamento da edição.

Ambiente acolhedor

Relembrar fatos negativos não é uma situação agradável para ninguém. Mais difícil ainda é para as crianças ou adolescentes que tenham sido vítimas ou testemunhas de crimes e precisam repetir suas histórias em todas as etapas de apuração e julgamento de um crime. Em atenção a essa realidade, e em cumprimento à Lei nº 13.341/2017, a Deam expande seu atendimento em uma sala para tomada de Depoimentos Especiais.

A metodologia permite retirar de dentro do ambiente de audiências tradicionais, que é um espaço formal, a criança ou adolescente vítima de violência, que necessita ser ouvida em juízo. Assim, numa sala mais acolhedora e garantindo a segurança da criança ou adolescente, será realizada uma escuta protegida, menos invasiva, preservando, desta forma, sua dignidade.

O Depoimento Especial contribui também para a redução do número de oitivas de crianças ou adolescentes, pois sendo a entrevista gravada em vídeo, a mídia será anexada ao processo, evitando, desse modo, a repetição de depoimentos dentro do Sistema de Justiça.

Fotos: Franciele Zanon