Delegado Arthur Hermes Reguse relata aumento no número de ocorrências e déficit de funcionários para agilizar processos

Contingente deficitário, falta de equipamentos novos para realização de investigações, local considerado inapropriado e um saldo de 15 mil registros de ocorrências por ano, esses são alguns dos entraves que dificultam o trabalho da Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA) de Bento Gonçalves. É o que avalia o delegado Arthur Hermes Reguse, responsável pela coordenação do local que recebe ocorrências de 13 municípios da região. Conforme a autoridade policial, a carência de um local apropriado e a falta de profissionais reduzem a celeridade em esclarecer inquéritos e procedimentos. Essas demandas foram apontadas durante entrevista exclusiva ao Semanário. Além disso, Reguse falou sobre o cenário da segurança em Bento e a possível criação da Guarda Municipal.

Há dois anos atuando em Bento Gonçalves, Reguse diz que as dificuldades apontadas para o andamento dos trabalhos na Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento já são antigas e que aumentam, conforme a demanda da população pelos serviços prestados pela DPPA, de modo especial, no registro de ocorrências, onde o espaço é restrito pela grande quantidade de pessoas que procuram o local para registrar os boletins. “Hoje, nós estamos na subida de um morro, numa garagem. Esse não é o local ideal e adequado para uma cidade de quase 120 mil habitantes, ter uma Delegacia de Polícia”, ressalta.

Conforme Reguse, por ano, são registradas cerca de 15 mil ocorrências, um número considerado alto e que com a escassez de profissionais fica difícil dar celeridade aos processos. “Não temos delegados plantonistas. Estamos com poucas equipes. Ao longo dos últimos três anos, tivemos um grande número de aposentadorias e o ingresso de profissionais não supre a necessidade. O chamamento de novos funcionários foi a “conta-gotas”, enfatiza. “Tem dias que não temos onde colocar tanta gente que procura a DPPA para realizar registros de ocorrência”, desabafa.

Déficit de equipamentos

Um dos problemas apontados pelo delegado é a urgente necessidade de renovar os equipamentos da delegacia, como os computadores. “Contamos com o setor de informática do Estado, consertam, arruma ou formatam as máquinas. Mas precisaríamos de computadores novos”, ressalta. Além disso, Reguse afirma que a equipe necessita de uma nova viatura e que há tratativas com o Conselho Comunitário Pró-Segurança Pública (Consepro), iniciadas no ano passado, porém, até o momento a aquisição de um novo veículo não foi concretizada.

Comparativos do Trimestre

Mesmo com todos os problemas enfrentados, Reguse mostra que o trabalho continua se mantendo estável no primeiro trimestre do ano, em comparação ao mesmo período do ano passado. Conforme o delegado, em 2017, foram 86 autos de prisão em flagrante, ante 88 nos três primeiros meses deste ano. Quanto aos registros de ocorrência, os números mostraram um aumento de aproximadamente 10%, em relação ao ano passado. Enquanto em 2017 foram 3.061 registros, 2018 recebeu 3.291. “O volume de trabalho aumenta e a necessidade de intervenção também”, garante.

Redução no número dos TCs

O delegado da DPPA de Bento Gonçalves enfatizou ainda que a equipe conseguiu reduzir os números de Termos Circunstanciados (TCs). Segundo Reguse, houve uma diminuição de cerca de 66% dos termos em andamento. Ele garante que isso é resultado de parcerias com o Poder Judiciário, Ministério Público e Prefeitura de Bento, que cedem bolsas de estágios, que auxiliam na redução dos números. “Hoje, nós temos em torno de mil procedimentos.

Aumento nos homicídios

Outra comparação feita por Reguse é relativa aos homicídios registrados. Só em 2018, 20 pessoas foram assassinadas na Capital do Vinho. Em dois casos, ele ressaltou com múltiplas vítimas. “O que vemos, pelas investigações, na maioria dos casos, há o envolvimento na criminalidade, o aumento na disputa pelo tráfico de drogas”, observa.

Entrevista 

“A guarda municipal não deve atuar como policiamento ostensivo e judiciário”

Conduzindo a DPPA de Bento Gonçalves desde julho de 2016, o delegado Arthur Hermes Reguse, já trabalhou na delegacia de Santa Cruz do Sul, com o mutirão de homicídios, em Porto Alegre, no Departamento de Informática, Secretaria de Segurança Pública e uma passagem pelo Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic).

Reguse pontua aspectos da cidade, entre eles, o rápido crescimento populacional da Capital do Vinho, bem como, a possibilidade da criação de uma Guarda Municipal. Em entrevista ao Semanário, ele fala da importância da guarda, porém, ressalta que a função da mesma é apenas salvaguardar o patrimônio público, sem ter o poder de policiamento ostensivo ou judiciário. A autoridade policial falou também sobre a construção do novo presídio, entrosamento entre a Polícia Civil e a Brigada Militar, além de opinar sobre o apoio da comunidade.

Jornal Semanário: Como o senhor avalia o cenário da segurança em Bento?

Reguse: Na época em que eu cheguei, havia um momento de muita violência, em virtude de assaltos. Ao longo desses dois anos, essas quadrilhas foram perdendo força, devido a identificação dos maiores responsáveis pelos crimes que acabaram presos. Ultimamente, o tráfico de drogas reavivou, com o ingresso de possíveis facções criminosas e criminosos organizados da região metropolitana de Porto Alegre. Então, na verdade, é um fluxo. Diminuiu um pouco os crimes violentos, aumentou um pouco o tráfico de drogas e, agora, a questão dos homicídios. É o que vem acontecendo ao longo desses dois anos. A maioria desses homicídios possui vinculação com o tráfico de drogas e organização criminosa.

JS: Como está o entrosamento entre a Polícia Civil e a Brigada Militar em Bento?

Reguse: Bento Gonçalves é uma cidade muito boa para trabalhar nesse quesito. A gente ouve de colegas de outras cidades onde há um certo atrito, mas aqui, o pessoal tem uma boa integração. O setor de investigação conversa com os policiais militares. A PM, por sua vez, está ciente e atua dentro de suas atribuições aqui na cidade.

JS: Bento vai receber um novo presídio. Como o senhor vê a construção, sabendo que aqui na região três cadeias foram interditadas por estarem com a sua capacidade cheia. Se essas casas continuarem nessa situação e o presídio de Bento já estivesse pronto, haveria essa possibilidade desses presos virem para cá e, consequentemente, a casa prisional já não ficaria lotada?

Reguse: É possível. É uma questão que precisa ser discutida com o juiz das execuções criminais e isso pode acontecer, mas o fato é que nós precisamos aumentar a quantidade de vagas em presídios e hoje, isso só pode ocorrer se construirmos novos presídios. Isso precisa ser feito com urgência e emergência. Nós não podemos pensar lá na frente e não fazer o que precisa ser feito agora. É necessário. Eu sou natural de Florianópolis e lá tínhamos também um presídio no meio da cidade, foi um problema enorme e até hoje não foi desativado, mas foram criados presídios em outras cidades e aí virou um ponto daquela massa carcerária. Aqui em Bento, o presídio será interditado e fechado. Se isso realmente for feito é a melhor saída. Encerra as atividades aqui e começa em um local mais afastado, de um acesso não tão simples e fácil.

JS: Qual a opinião do senhor sobre a Guarda Municipal de Bento? Existe a possibilidade em armar e dar poder de polícia a ela?

Reguse: Na verdade, quando a Guarda Municipal é criada, ela já recebe um certo poder de polícia. Mas, o poder de polícia que ela tem, deve estar pautado ao que diz estritamente a Constituição. E é isso que precisa ser muito bem avaliado. A Guarda Municipal serve para salvaguardar patrimônio e bens do município. Essa foi a razão constitucional ao qual ela foi criada. Então, ela não pode, não deve e, caso em locais que aconteceram algum desvio dessa finalidade, a gente viu problemas surgindo. A guarda municipal não deve autuar como policiamento ostensivo, bem como, não deve atuar como polícia judiciária. Ela não tem essa prerrogativa e nem deve ter. Tudo precisa ser muito bem avaliado e, acredito que o prefeito, secretário de Segurança estão tratamento bem dessa questão. Não pode a população ser comprada com o discurso de que haverá mais policiais na rua. É preciso seguir aquilo que está determinado e ela tem que fazer a sua função constitucional. Existem a possibilidade de a guarda municipal utilizar a arma de fogo, há certas restrições para isso e precisam ser analisadas.

JS: Como o senhor vê o apoio da comunidade para a Polícia Civil?

Reguse: Quando eu vim para cá, haviam me falado que Bento Gonçalves era uma cidade muito rica, que possuía diversas empresas, um local que possui uma arrecadação muito grande. Entretanto, a situação da Polícia Civil aqui não é boa, comparado com essa imagem. O Consepro tem nos auxiliado, mas a gente viu que ao longo dos últimos anos que foram projetos direcionados para a Brigada Militar. Todas as arrecadações e prestações de contas do Conselho, mostraram que a Brigada Militar recebeu cinco ou seis vezes mais que a Polícia Civil. Chegamos a receber menos dinheiro do que a própria administração do Consepro para a sua manutenção. Cerca de 80% dos valores arrecadados pela Polícia Civil vieram do Poder Judiciário. A gente se sente em débito, porque gostaríamos de prestar um melhor serviço, com uma infraestrutura adequada e hoje, efetivamente não há. O Consepro sabe disso, pois realizamos uma reunião com representantes recentemente. Tratativas estão sendo feitas para buscar uma viabilidade, a fim de mudarmos de local. Eles estão cientes e essa parceria existe.

JS: O que o senhor acha de Bento Gonçalves?

Reguse: Gosto da cidade, do clima da Serra. Claro que existem coisas que estão acontecendo e que são naturais de ocorrer em cidades de quase 120 mil habitantes. Eu trabalhei em outra que também estava nesse momento de transformação, onde sai da questão de cidade pequena, interiorana, que você conhece todo mundo, para uma cidade maior e aí alguns problemas surgem, como, por exemplo, problemas de vizinhança, de comportamento humano que a gente vê que acontece aqui. Mas no geral, Bento é uma cidade muito boa.