Em sua participação no Podcast Paradoxo, Matheus Caprara Pelegrini compartilha sua trajetória no universo da cultura gaúcha. Ele fala como a conquista de um título estadual pode servir de trampolim para ajudar jovens a alcançar seus próprios sonhos nas Cirandas e Entreveros Culturais

Desde sua infância, Matheus Caprara Pelegrini, hoje com 26 anos, foi tocado por uma paixão genuína pelo tradicionalismo gaúcho. Sua jornada começou de forma espontânea em um Centro de Tradições Gaúchas (CTG), onde, ainda criança, vivenciou pela primeira vez a rica cultura e os valores do tradicionalismo. Essa experiência inicial não apenas despertou seu interesse, mas também solidificou uma conexão duradoura com as tradições que moldariam sua trajetória e dedicação ao longo dos anos.

Graduado em Licenciatura Plena em História, durante 10 anos atuou no Departamento Cultural do Centro de Tradições Gaúchas (CTG) Gaudério Serrano de Bento Gonçalves. No tradicionalismo, começou a participar das invernadas de dança, ganhando destaque ao conquistar títulos como Guri Farroupilha da entidade e, posteriormente, da 11ª Região Tradicionalista, sagrando-se o vencedor no Entrevero Cultural de Peões do Rio Grande do Sul em 2012. Além desses títulos, Pelegrini também revela seu gosto pela modalidade da declamação, onde participou de inúmeros concursos.

Pelegrini iniciou suas atividades dentro do CTG em 2005. Ele lembra que desde muito cedo começou a acompanhar programas radiofônicos transmitidos em Bento Gonçalves, fazendo com que o gosto pelo tradicionalismo despertasse ainda criança.

Segundo Pelegrini, seu envolvimento com o tradicionalismo começou de forma natural, sem qualquer pressão ou incentivo da família. Ele recorda que a oportunidade surgiu quando a entidade visitou a escola Cenecista, onde estudava, para convidar os alunos a participarem das aulas de dança no galpão. “Como o CTG era muito próximo, eles estavam tentando compor um grupo para o curso de dançar que iria ter na entidade. No momento em que convidaram, eu lembro de ter olhado para minha colega e resolvemos participar. Eu entrei por meio do curso e o CTG tem uma maneira bem natural de fazer com que as pessoas se insiram nos departamentos e outras atividades que são desenvolvidas por lá”, explica.

Conforme Pelegrini, a participação nunca é forçada. Tudo acontece de forma natural. “Fui tomando gosto e amor pela coisa e sempre acabei encarando novos desafios e convites. Engana-se quem pensa que não há desafios novos dentro de um CTG. Só segui o fluxo dos convites e participações. Com o tempo e apreciando este ambiente, prendemos muita coisa, conhecemos muita gente e lugares”, afirma.

Em sua trajetória, o jovem tradicionalista foi tendo a dimensão do compromisso e da complexidade dos cargos assumidos com o desenrolar do processo. “Essa noção de responsabilidade do compromisso vem com o tempo”, revela.

Na primeira etapa, Pelegrini foi convidado a participar, sem precisar passar por provas com outros concorrentes. No entanto, em um determinado momento, a patronagem do CTG Gaudério Serrano sugeriu que ele, ao invés de participar da categoria Piazito, destinada a concorrentes na faixa etária dos seis aos nove anos, fosse direto para o concurso de Piá Farroupilha. “Faltando cerca de dois meses para o concurso (regional), o coordenador do CTG na época, chegou no meu pai e sugeriu que eu participasse na categoria piá. Sem entender muito, meu pai aceitou a ideia, sem saber que aí eu precisaria passar por todas as provas, desde a escrita até a parte campeira”, revela.

Para participar do certame, além do teste de múltipla escolha, que abordava assuntos voltados à geografia, história e tradição do Rio Grande do Sul, Pelegrini passou pela prova artística, que envolve declamação, música, dança, prova oral e também as provas campeiras, que vão desde a elaboração de um chimarrão até a tosquia de um animal. “A gente começa aceitando o convite, mas não tem a dimensão de onde isso pode chegar”, aponta. Apesar de ter sido eleito Piá da 11ª Região Tradicionalista, por não haver concurso para esta categoria na época, Pelegrini precisou subir uma categoria para concorrer no Entrevero Estadual.

O processo de preparação, segundo ele, ocorreu de forma natural. “Eu ia meio que conduzido pelos outros. Sabia da importância do concurso, baixava a cabeça e fazia aquilo que me mandavam. Claro, como toda a criança, que está nessa fase da vida, eu precisava de um empurrãozinho para fazer. Só que a partir do momento em que eu passei para a categoria Guri, onde eu entendi que a responsabilidade deveria partir de mim e não dos outros, fui assumindo este protagonismo”, lembra. “Quem está dentro deste mundo pensa que os peões eleitos em concursos estaduais são pessoas perfeitas. Muito longe disso. Existem provas minhas, que estão gravadas e que olho hoje e digo: nossa, como eu pequei neste aspecto. Certamente, hoje, eu teria apresentado melhor. Até porque era uma outra época e momentos bem distintos”, observa.

Preparação para o Entrevero

Durante meses, Pelegrini e seu pai treinavam, tanto para as provas artísticas e de conhecimentos, quanto para as avaliações campeiras. Para isso, ele frequentava a cabanha da família Bianchi. Por lá, durante horas, o jovem realizava as provas exaustivamente. Ele recorda que todo o processo de preparação envolvia os mínimos detalhes e o apoio do pai foi fundamental nesta etapa. “Eu lembro que todas as vezes que a gente descia para a cabanha, eu encilhava e desencilhava a égua uma sete, oito vezes. Tudo para que eu lembrasse de todos os itens, desde a pecinha utilizada para prender alguma coisa em específico. Por vezes, a égua até olhava para mim e deveria pensar: mas vai fazer isso mais quantas vezes?”, lembra. “O meu pai nesta questão de cobrança, foi mais avaliador do que muito jurado”, ressalta.

Os ensaios e práticas eram intensos, já que o pai de Pelegrini tinha pouco tempo durante a semana para realizar as atividades. “Isso é um certo drama de quem nasce na cidade. Querer participar desse tipo de concurso, mas não ter, por exemplo, um cavalo para treinar. E, em nosso subconsciente, principalmente, daqueles que concorrem, há esta cobrança e questionamento de que se eu não possuir um cavalo, não morar no campo, vou ser menos gaúcho que o meu concorrente, e isso não é verdade”, destaca.

Ele salienta ainda que a busca por apoio não deve se limitar apenas a sua entidade-mãe. “Se na cidade em que o concorrente reside existir outro CTG e este não tiver representante no concurso, não vejo o porque em não bater na porta e pedir ajuda. Acredito que o objetivo do tradicionalismo é abraçar quem precisa e entender essa fragilidade”, observa.

Apesar das dificuldades, Pelegrini sempre esteve assessorado pelo CTG Gaudério Serrano, mas que também teve a oportunidade de ser abraçado pelo CTG Sentinela da Serra de Garibaldi, que ofereceu apoio para ampliar seu treinamento na parte campeira. “O Departamento do meu CTG sempre foi muito ativo. Mas, como eu não tinha proximidade com ninguém, não conhecia, na época, eu fui muito abraçado pelo Sentinela da Serra, na pessoa do seu Antônio Flores, que era patrão da entidade. Como eles não tinham ninguém concorrendo pela entidade na minha categoria, eu fui acolhido por eles”, lembra.

Se por um lado, as dificuldades logísticas poderiam afetar o processo de preparação, por outro, Pelegrini lembra que sempre recebeu o apoio do grupo. “A gente era um time. Ninguém chega no sucesso sem ter um suporte. E isso faz com que o sonho de conquistar o crachá não seja apenas meu, mas de todo mundo que está envolvido no processo”, pondera.

O tradicionalista destaca que o entrevero estadual foi um momento de amizade, preocupação e parceria entre os concorrentes que, na época, pouco se conheciam, já que não havia uma gama de canais de comunicação e divulgação que existem atualmente. “Todos os participantes se conheciam no dia da abertura. A gente tinha conhecimento de alguns nomes, mas nada se compara como é hoje, onde a gente já começa a pesquisar quem são os representantes das regiões no dia seguinte ao resultado da etapa regional”, afirma.

Ele destaca ainda que antes da disputa, o concurso estadual pode mostrar que ali, acima de qualquer disputa, o apoio entre os concorrentes fala mais alto. “Eu não gosto de lograr êxito do resultado, mas sim, da preparação. Eu levo deste concurso muitas lembranças de apoio mútuo entre meus concorrentes. Além de conhecer novas pessoas, eu tive a oportunidade em vivenciar novos universos existentes dentro do Rio Grande do Sul”, revela.

Para o futuro, Pelegrini espera ampliar seus conhecimentos para oferecer novas oportunidades aos seus alunos. Não menos importante, o tradicionalista espera retornar aos palcos, só que dessa vez como concorrente na modalidade declamação, a qual se declara apaixonado. Além disso, o professor espera constituir família com sua noiva em breve.

Repassando conhecimentos para quem almeja concorrer em concursos tradicionalistas

Após um período de afastamento das atividades tradicionalistas, Pelegrini retorna à cena, só que desta vez, como instrutor de peões e prendas que sonham alcançar o mesmo posto que ele chegou em 2012. Foi em 2022, após as restrições impostas pela pandemia de covid-19, que ele passou a prestar serviços de preparação para concursos. “A gente começou de baixo. Com o círculo de amizades que vamos criando, as oportunidades vão surgindo. Eu comecei com uma aluna chamada Katarine, da cidade de Ijuí, na época, 1ª prenda mirim da 9ª Região Tradicionalista. Eu não sei com quem a mãe dela pegou o meu contato. Eu só sei que recebi uma mensagem no meu WhatsApp pedindo sobre o serviço. Na época, eu trabalhava em outro segmento e pensei: será que é isso mesmo? Bom, vamos lá. Vi que a Katarine era muito esforçada e abracei o sonho com ela”, lembra.

O resultado do trabalho de Pelegrini rendeu a jovem o título de 1ª Prenda Mirim do Rio Grande do Sul naquele ano. “Tivemos muitos percalços, mas conseguimos passar por todos eles. Minha primeira aluna e já conseguimos lograr êxito”, salienta. Outras conquistas recentes de alunos de Pelegrini foram a do título de Guri Farroupilha 2024/2025 por Kauan Mello Zembruscki, 3º Peão Farroupilha, alcançado por Luiz Ferrido e, mais recentemente, o título de 3ª Prenda Juvenil, por Amanda Bissani Tonial.

Após a primeira conquista, Pelegrini largou o emprego, que não era na área do ensino, e focou nesta oportunidade. Hoje, ele atende inúmeras cidades de todo o Rio Grande do Sul, ajudando crianças, jovens e adultos a buscarem a tão sonhada faixa e crachá tradicionalista. Para isso, além dele, sua noiva e outros profissionais integram uma equipe que auxilia os alunos nas áreas de geografia, história, tradições e folclore, desinibição e oratória. Para as próximas turmas, a expectativa de Pelegrini é ampliar o rol de profissionais. “Já estamos com a confirmação de mais um professor de declamação e também de oratória. A cada ano que passa, eu vou observando as lacunas existentes e o que posso oferecer a mais”, explica.

Para quem busca e tem o desejo em concorrer, Pelegrini dá dicas de como seguir em frente. “Tenha gosto por todo o processo que demanda disciplina, resiliência, cumprir horários. Encare a preparação como algo prioritário na vida. Em diferentes momentos, quem deseja ir bem em um concurso, vai precisar abrir mão de eventos, jantares com amigos, familiares, para estudar, focar naquilo que deseja mesmo. Eu, como professor, já faço isso. Imagine um concorrente. E, por último, valorize mais o processo do que o resultado, pois isso é uma consequência”, aponta.