Enquanto dobro as oncinhas e vaquinhas (tenho um zoológico agasalhando as camas) que estavam na janela se despedindo do sol invernal, uma gota de melancolia pinga no ambiente.

Na verdade, é suor mesmo, caído da testa, a primeira região a se manifestar quando a temperatura sobe. Dizem que é a tal menopausa. Não acredito! Até porque já virei o odômetro e estou novinha em folha, com os pneus calibrados, as pastilhas dos freios trocadas e a velocidade reduzida. Ninguém quer descer a ladeira íngreme que se avizinha em marcha acelerada.

Mas a questão continua sendo a melancolia… Não uma tristeza profunda como o dicionário a define, mas certo cansaço, uma falta de energia, um fastio, algo tipo enjoo… Deve ser o balanço da vida neste mar revolto e traiçoeiro, de profundidade inesperada. E eu que sempre gostei de velejar na quietude, me sinto sacudida por um vagalhão que pode afundar até um navio. Imagina então este barquinho à vela sendo arremessado por ondas gigantes…

Imersa nesse emaranhado de sentimentos, de repente ouço o ruído do trem, aquele mesmo que chega “fumegando, apitando, chamando…”. Vejo conhecidos tomando o assento para a viagem sem retorno… E, por um instante, visualizo o céu de Raul “carregado e rajado, suspenso no ar”. E a melancolia mostra a sua face…

Para minimizar essa sensação, aplico o princípio de Friedrich – fiquei íntima do filósofo oitocentista nas noites desse último mês. Diz Nietzsche que “uma perspectiva cósmica atenua a tragédia”. Mas quanto mais me afasto da realidade próxima, mais percebo a tragédia global agora ampliada – fome, frio, fogo, água, tremor, vírus, violência, opressão, desespero, dor, retrocesso… e o medo das mulheres de Afeganistão.

Outra gota umedece o teclado. Suor ou lágrima? Tanto faz. O bom disso é que as geleiras íntimas começam a derreter. E a melancolia líquida é capaz de escorrer da alma… Afinal, “o que não tem jeito, ajeitado está”.

Então pego minhas oncinhas e vaquinhas ainda mornas de sol e as afago antes de guardar no armário, pois o inverno está praticamente de malas prontas. Graças a Deus! As massas de ar polar assopradas pela Argentina derrubaram temperaturas e gente.

A primavera já não se aguenta. Dia desses, vi a imagem de uma rosa desabrochando de dentro de um limoeiro. Não sei como ela se insurgiu e se instalou naquela árvore… Só a Clari, dona do quintal mágico, para esclarecer.

Enfim, já é hora de ajustar as velas. “Navegar é preciso…”