Lá de onde eu venho, bullying era aquele negócio usado para servir café. Nada de ‘comida de panela’ no jantar, “é muito pesado”. Uma desculpa pertinente para o racionamento de comida em uma época difícil.
Lá de onde eu venho, aprendíamos na marra a sermos fortes. Haja braço para lavar a roupa no tanque de concreto, o mesmo que se colocava a melancia para refrescar no verão, e destruía as mãos de minha mãe no inverno. Para ir até a escola, um calvário de mato, morro e oferendas.


Lá de onde eu venho a calça jeans comprada com o trabalho “surrado” virava bermuda e depois virava saia. Nada de desperdícios ou opções em um mundo onde tudo se transformava, ao mesmo tempo que a tecnologia e a moda estavam prestes a explodir. Os remendos não eram só nas roupas. Mal feitos, eles arregaçavam com o tempo, apesar de que – lá de onde eu venho – os aviamentos eram de qualidade.


Lá de onde eu venho ninguém derrete com o sol, nem com a chuva, nem com as críticas. E lá as críticas eram mais construtivas do que destrutivas. Traição era traição, romance era romance. Aparentemente, levávamos as coisas um pouco mais a sério.


Lá de onde eu venho até o algodão da farmácia era mais rijo, não se desmanchava com facilidade. O pão dormido era vendido mais barato, e era cedo que íamos até a padaria para conseguir o maior saco. A esperança se erguia toda vez que passava um ambulante, lá pr’aquelas bandas, vendendo enciclopédias, picolés ou bolas coloridas.


Lá de onde eu venho se acordava cedo no domingo para ir à missa desfilar a ‘roupa de sair’, sem corte e sem viço. Ou para esperar o chefe da família chegar com um pedaço de costela, assada no bar, dentro de uma bandeja, coberto com uma toalha. Ou para preparar um almoço simples, acompanhado de um chimarrão novinho e música nativa. Ou Amado Batista, se fosse minha mãe a ‘pilotar’ o toca-discos.

Lá de onde eu venho os pequenos se misturavam com os grandes, aprendiam coisas antes do tempo, mesmo sem saber o que fazer com aquela informação. Mas sabe que, lá de onde eu venho, o que não mata, engorda. A vida não era fácil, mas nem difícil. E esse era o lema.


Lá de onde eu venho as coisas seguiam em um ritmo mais lento, sem alguns recursos que hoje são praticamente vitais. Tínhamos desejos menos ardentes de subjugar o mundo, cuidando muito mais do próprio quintal. Conversa não era debate e conseguíamos esperar o aviso de um carteiro carregando páginas desenhadas de saudade. O fim de tarde tinha cheiro de manacá e as manhãs eram frescas.

Daquelas bandas de lá, trago boas lembranças e um pingo de tristeza. De alguém que acha que as coisas poderiam ser diferentes, mas não saberia dizer como.


Mas se tem uma coisa que eu acho certo, é que lá de onde eu venho, as pessoas eram felizes com tamanha facilidade, porque, como diria Dostoiévski, talvez amássemos mais a vida do que seu próprio sentido.