O aprofundamento da Operação Lava Jato, que atingiu os partidos mais representativos do Brasil, e o impedimento da presidente Dilma Rousseff formaram um cenário de incertezas para as eleições municipais de 2016. Em algumas capitais, a rejeição chegou a superar a votação dos candidatos eleitos. 

Dados do  Tribunal Superior Eleitoral (TSE) demonstram que, em Caxias do Sul, o segundo turno foi marcado por pouco mais de 20%  de votos brancos, nulos ou abstenções. Em Santa Maria este índice atinge quase 30%.

Em Porto Alegre, o número de votos das três  categorias superou o número de eleitores do prefeito eleito, Nelson Marchezan Jr. (PSDB).  O candidato tucano fez 402.165 votos, enquanto a soma dos votos brancos, nulos e abstenções foi de 433.751.

Além disso, cerca de 10,7 milhões de eleitores se abstiveram da decisão em todo o país, o que corresponde a 32,5% do eleitorado frente aos 26,5% registrados em 2012.

 

Rejeição não é fenômeno novo

O cientista político João Ignacio Pires Lucas, da Universidade de Caxias do Sul (UCS), explica que  o fenômeno é consequência  da crise recente da política, que aprofunda a descrença das pessoas nos partidos. “As investigações tem como principal alvo o PT, mas acabam respigando nos outros por escândalos de corrupção. Cada vez mais se percebe dificuldade em aproximar o eleitorado da política”, observa.

Porém Pires Lucas relata que o fenômeno já aconteceu na história recente do Brasil, no período de redemocratização. Ele afirma que o índice de rejeição chegou a atingir 50% do eleitorado. “Os governos Lula  postergaram a apatia e o desinteresse pela política, mas isso voltou agora em virtude da crise”, analisa.

O índice de votos nulos,  em Porto Alegre, foi percentualmente o dobro do que em Caxias do Sul. Enquanto na capital atingiu 13,36%, na cidade da Serra a votação alcançou 6,54%. A abstenção também foi maior em Porto Alegre 

Pires Lucas deduz que a rejeição é mais alta na capital porque o eleitorado de esquerda, que votou em Raul Pont (PT) e Luciana Genro (PSOL) no primeiro turno,  não se viu representado no segundo turno, algo que não acontece com o eleitorado caxiense.

A reforma política é essencial, de acordo com o cientista político, mas deve ocorrer  de forma que modifique o sistema eleitoral e a relação entre os poderes como um todo.   Ele  exemplifica com Caxias do Sul, onde foram escolhidos vereadores que não formam a mesma base do prefeito eleito, Daniel Guerra (PRB). “Isso é uma paralisia decisória, porque os vereadores foram eleitos com determinadas promessas e o prefeito, com outras. Um dos lados vai ter que ceder e não cumprir o que prometeu para seus eleitores”, observa.

Por isso, Pires Lucas argumenta que a reforma política  precisa revisar  o sistema eleitoral e  dar conta de sustentar o debate entre os poderes.  “A rejeição nessas eleições é só mais um tijolo  no edifício da reforma política”, afirma.  

Diferente que Caxias do Sul, em Bento Gonçalves, o prefeito reeleito, Guilherme Pasin (PP), tem  amplo apoio na bancada da Câmara de Vereadores, com uma base aliada composta por 12 dos 17 vereadores. A rejeição no municipio foi de  24,8% no primeiro turno, sendo   13.926  abstenções,  2.754 votos brancos e  3.928 votos nulos. Pasin foi eleito com o sufrágio de 44.129 eleitores, o que corresponde a  65,2% dos votos válidos, enquanto o segundo colocado, candidato Cesar Gabardo (PMDB), atingiu  11.624 eleitores, o que equivale a 17,29%.  

 

Faz diferença votar branco ou nulo?

Na prática, não faz diferença. Tanto os votos brancos como nulos não são contabilizados. De acordo com o Glossário Eleitoral do TRE, o voto em branco é aquele que o eleitor não manifesta preferência por nenhum candidato, enquanto o voto nulo é contabilizado como um erro de digitação apontando para um candidato inválido. 

Antigamente, o voto branco ia para quem estava ganhando, por isso era considerado uma opção conformista. Diferente do voto nulo, que era interpretado como voto de oposição à classe política, visto que era tido como inválido. Hoje em dia, algumas pessoas ainda confundem e acreditam que os votos em branco vão somar na contagem do candidato vencedor. Mas isso não passa de um mito. 

Votos inválidos podem fazer diferença, sim, nas eleições à cargos do legislativo. Nesse caso, para os candidatos se elegerem, é necessário que se atinja determinado quociente eleitoral, ou seja, um número de votos mínimos proporcionais ao número de eleitores. Dessa forma, os votos inválidos não são contabilizados e diminuem o quociente eleitoral, fazendo com que os candidatos do legislativo necessitem de menos votos para se elegerem. 

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