Quando criança, tememos os monstros que possam estar escondidos debaixo da cama ou sair de armários, frutos de uma imaginação fértil ou do medo do desconhecido. Infelizmente, com o passar do tempo descobrimos que o que para nós não passou de afloração criativa se tornou a realidade para milhares de crianças. Ao invés de uma criatura voraz, a figura paterna. No lugar do medo do obscuro, o horror da violência sexual. Nas duas últimas décadas, o fenômeno do abuso infantil tem se apresentando como um problema social preocupante no cenário mundial e brasileiro em particular. Somente em Bento Gonçalves, cerca de 30 casos foram relatados ao Conselho Tutelar entre 2015 e 2016. O número, considerado alto por profissionais da área, preocupa, entretanto, os casos que ocorrem na obscuridade, dentro de quatro paredes e que por muitas vezes permanecem velados por pretextos diversos, é o que realmente consterna os profissionais da área.

Em virtude do acobertamento feito em muitos dos casos, o número de situações de agressão sexual a crianças e adolescentes na cidade pode ser significativamente maior. É consenso entre os órgãos responsáveis pelo cenário que, embora o processo para denunciar casos tenha evoluído, com a inclusão do Disque 100 ou a suspensão da necessidade de identificação para a realização de denúncias, existem entraves, como a cumplicidade familiar, o medo à exposição ou até mesmo a recusa à separação de companheiro que intrincam a constatação do crime e a punição do ou dos responsáveis.

O medo da formalidade de uma denúncia pessoal também acaba se tornando empecilho no combate à violência sexual infantil. De acordo com o promotor da Infância e Juventude do Ministério Público (MP), Elcio Resmini Meneses, este ainda é uma das principais dificuldades enfrentadas pelos órgãos competentes. “Pelas nossas experiências, os casos que chegam a ser revelados são ocorrências mais concretas e até de mais tempo, porém existem situações de pessoas que não denunciam ou acabam indo procurar ajuda de outras formas, porém, sempre relutando para que o caso não se torne uma denúncia formal, complicando o trabalho do Ministério Público”, explica.

Entretanto, o promotor pondera que mesmo com o crescimento do número de denúncias, para um processo ter continuidade e aceitação é preciso ter provas, o que pode acabar gerando outros contratempos processuais. “Não se pune ninguém sem certezas, então, para desvelar esse ambiente hostil, dependemos muitas vezes da vítima, que possa narrar com credibilidade o ocorrido, visto que a palavra de testemunhas tem relevância em julgamentos”, ressalta.

A constatação de que o medo das possíveis represálias ou futuras ações resultantes de uma denúncia possa voltar-se contra o denunciante, expressas pela Promotoria, são corroboradas pelos conselheiros tutelares do Município. Entretanto, para os titulares, o trabalho realizado pelo órgão atualmente tem instigado a comunidade a desfazer-se das amarras que impediam a realização de apontamento das situações.

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