Ao longo da semana, o Jornal Semanário, conversou com uma série de pessoas da Serra Gaúcha que estão vivendo no exterior, em alguns dos países mais atingidos pela pandemia, para traçar um panorama da situação da doença no mundo e alertar sobre o que podemos nos deparar por aqui; nesta primeira parte do especial, tratamos dos Estados Unidos, Itália, China e Reino Unido

Quarentena, pessoas com máscaras hospitalares, ruas e prateleiras vazias, grandes eventos suspensos, fronteiras fechadas, hospitais lotados e a cada semana um aumento exponencial no número de infectados e de mortes. Desde que foram registrados os primeiros casos do novo Coronavírus (Covid-19) na província de Wuhan, na China, foi necessário apenas um par de meses para que essas cenas, que parecem saídas de alguma obra de ficção distópica, se tornassem realidade em praticamente todo o mundo.


Pouco mais de um mês após a primeira confirmação no Brasil, no dia 25 de fevereiro, o país já soma 2985 infectados e 77 mortes, com pelo menos um caso em cada estado. Na Serra Gaúcha, de acordo com as secretarias municipais de Saúde, já são mais de 20 registros. Apesar do drama que bate à porta, a realidade é ainda mais preocupante para muitos brasileiros que, em terras estrangeiras, convivem com a pandemia há algum tempo. É justamente para traçar um panorama da situação global e alertar para os perigos que podem também se refletir aqui que, ao longo da semana, a reportagem do Jornal Semanário conversou com pessoas da Serra Gaúcha que estão vivendo em alguns dos países mais afetados pela Covid-19. Em seus relatos, as ações governamentais de contenção da pandemia, a rotina em quarentena e o olhar de quem acompanha, de longe, a chegada do vírus em suas cidades natais.

Éderson Silva, caxiense na China

Uma boa notícia em meio ao caos. Após meses de quarentena, o primeiro epicentro da doença no mundo, a China, finalmente parece ter a situação controlada. Das 81.894 pessoas infectadas no país, 74.720, ou seja 91%, já estão recuperadas. Além disso, após o anúncio do Ministério da Saúde na segunda-feira, 23, de que Wuhan estava há cinco dias sem novas infecções, a cidade onde tudo começou está retomando suas atividades.

Há três anos na China, o caxiense Éderson Silva relata que a situação no país está se normalizando, mas medidas de cuidado pessoal seguem sendo tomadas
Foto: (Éderson Silva, Arquivo Pessoal)

Há mais de três anos morando em Foshan, na província de Guangzhou, o caxiense Éderson Silva, 36 anos, comemora as novas notícias, mas pontua a necessidade de manter os cuidados básicos. “Há um controle bem grande, sobretudo das pessoas que começam a voltar à China e são encaminhadas direto à quarentena. Por isso, a sensação é de alívio, mas não de relaxamento”, assinala. Uma amostra clara disso, por exemplo, é uma mensagem do Governo recebida por ele, ainda nesta semana. “O texto diz que isso ainda não terminou, mas que juntos venceremos essa guerra”, lê.

Treinador de futebol, desde o fim de janeiro, quando iniciou a quarentena, Silva está longe do trabalho e dos gramados. Conta que, por morar perto de um parque, tem conseguido correr e que, além da parte física, não descuida da mente. Busca manter uma rotina com leitura, filmes e vídeo chamadas para controlar a ansiedade provocada pelo confinamento. “É preciso estar bem emocionalmente, pois ficar trancado em casa por todo esse período é extenuante”, comenta. Mesmo assim, destaca que não há outro remédio e que o isolamento social foi o que possibilitou à China o controle da pandemia. “Os números reduziram drasticamente, sobretudo na cidade do surto, pois o povo acolheu bem a quarentena. Há duas semanas começou a flexibilizar um pouco. As pessoas já podem sair nas ruas, mas com máscaras; há controle de temperatura para entrar nos condomínios; alguns restaurantes foram reabertos e outros seguem só com delivery”, conta.

O sentimento é de que as coisas estão mudando, mas que não podemos relaxar”

Nesse sentido, partindo de um morador do primeiro epicentro da pandemia no mundo, Silva deixa um recado de esperança, mas também de alerta para o Brasil. “Desejo força e que todo mundo se cuide e se proteja. Meu conselho é que sigam as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), evitem aglomerações e tenham cuidado para não absorver tanta coisa ruim na internet, isso pode causar danos emocionais em um período assim. Aqui, onde foi o maior pico, as coisas se resolveram e aí também irão”, finaliza.

Controle na entra de condomínios
Pessoas começam a voltar as ruas na China, embora cuidados básicos sejam mantidos

Alexandre Broilo, farroupilhense na Itália

Embora com 80.589 casos positivos para Covid-19, a Itália não seja o país com maior número de infectados, a situação do país é certamente a mais alarmante entre todas as mais de 190 nações já afetadas pela pandemia. Após dois dias de quedas seguidas no número de casos fatais, sinal positivo que poderia significar que o pico da Covid-19 havia sido atingido, a curva pandêmica voltou a subir na terça-feira, 24, e as mortes já chegam a 8.215.

A imagem captada pelo farroupilhense Alexandre Broilo mostra uma das barreiras de controle montadas pela polícia

Há sete meses em Verona, para onde se mudou com a esposa que estuda Jurisprudência em uma universidade local, o Doutor em Economia e Política Internacional, Alexandre Broilo, 45 anos, sublinha o tamanho do drama vivido pelos italianos, onde o sistema médico há dias não dá conta de atender todos os novos casos. “Diariamente morrem mais de 600 pessoas aqui e ainda não atingimos o pico. Já vieram 14 aviões com profissionais da Rússia, além de médicos cubanos e chineses para auxiliar a força sanitária italiana que está entrando em colapso, dado que não há mais material de proteção individual para os médicos e enfermeiros e nem ventiladores suficientes para os pacientes”, destaca. O farroupilhense ainda atenta para o grande número de profissionais da saúde contaminados pelos vírus, bem como os casos de exaustão emocional. Segundo ele, uma enfermeira chegou a se suicidar. Até o momento, conforme a federação dos médicos do país, 37 profissionais já morreram devido à Covid-19.

“Eu perdi meu emprego. Sei que isso tem causado prejuízo econômico muito grande para o país. Mas essa questão é tratada em segundo plano pelo governo italiano. Os esforços são para manter a saúde das pessoas e a qualidade de vida”


Para evitar o alastramento do surto, o governo italiano tem endurecido as medidas de isolamento. Além de restrições gerais de viagem, proibição de evento públicos, suspensão de serviços religiosos (incluindo funerais), fechamento de espaços públicos e de todos serviços que não são essenciais, na terça-feira, 24, o Conselho de Ministros aprovou o decreto que permite, entre outras coisas, multas de 400 a três mil euros para quem desrespeitar as ordens de quarentena e pena de até cinco anos de prisão para pessoas com positivo para Coronavírus que estiverem fora do isolamento. Segundo Broilo, há um limite de 200m para pessoas fazerem caminhadas fora de casa e as única saídas permitidas são para idas ao mercado e à farmácia.

O movimento é bastante baixo nas ruas de Verona
(Foto: Alexandre Broilo, Divulgação)

Graduado em Administração de Empresas, o farroupilhense que já trabalhou para a indústria médica na Europa por mais de uma década, faz uma previsão nada animadora sobre o futuro de sua terra natal, caso a proliferação ocorra de modo semelhante ao visto na Itália. “Se o comportamento do vírus no Brasil for como aqui será alarmante, uma calamidade. O Brasil não tem estrutura física hospitalar e nem equipamentos para enfrentar essa situação”, prevê. Segundo ele, o único método possível é levar a situação a sério. “O isolamento é a única alternativa que apresentou resultados. A propagação do vírus é muito rápida tem afetado todas as idades. Essa ideia de que só tem gente velha na Itália é uma falácia, tem falecido gente de 30, 40 e 50 anos, além de muitos adolescentes ocupando as unidades de tratamento intensivo”, alerta.

Franciele Carraro, bento-gonçalvense nos Estados Unidos

Como previsto pela Organização Mundial da Saúde (OMS), os Estados Unidos se tornaram no novo epicentro da Covid-19 no mundo. Na sexta-feira, 27, o país chegou a 85.996 pessoas infectadas, ultrapassando a China e a Itália. O número de casos fatais está em 1.300. Três dias antes, na terça-feira, 25, a Casa Branca e o Senado aprovaram um auxílio de dois trilhões de dólares — valor superior ao PIB brasileiro — em ajudas para empresas, cidadãos e para o sistema de saúde para conter o agravamento da pandemia no país. Entre outras medidas, cada adulto deve receber mensalmente 1.200 dólares para ficar em casa, além de um adicional de mais 500 para cada criança.

Há seis anos vivendo na cidade de Exton, na Pensilvânia, a bento-gonçalvense Franciele Carraro, 32 anos, que atua como coordenadora de uma indústria farmacêutica, considera que o governo demorou a agir. As medidas se limitavam à recomendação de que as pessoas ficassem em casa. Foi só na segunda-feira, 23, que as medidas de fechamento de comércio e serviços não-essenciais passaram a valer onde ela mora. Mesmo assim, tanto ela quanto o esposo estão trabalhando de casa há mais ou menos um mês e evitando saídas. As compras, conta, são todas feitas online, mesmo a feira. Da mesma forma, diz que, embora não tivessem orientações rígidas, diante da percepção do avanço de casos no país, a vizinhança tem evitado por iniciativa própria sair às ruas ou aglomerar-se. “Vejo algumas pessoas passando na calçada, mas sempre sozinhas e evitando proximidade. Não há policiamento, então se não tem gente na rua é por respeito e responsabilidade do povo mesmo, apesar de que há a ordem para ficar em casa”, sublinha.

Apesar de acreditar que a situação deva piorar e se estender por muito ainda, destaca que a quarentena não está sendo de todo o mal. Além do conforto de trabalhar de casa, sublinha a existência de tempo para aprender novas habilidades ou fazer coisas que há tempo ansiava em praticar. “Tem gente lendo aqueles livros parados na estante, pintando parede e até quadros, arrumando o armário, começando novos hobbies, fazendo cursos online, cozinhando e compartilhando isso nas redes, mostrando como essas pequenas mudanças são prazerosas”, conta. Ela destaca, ainda, as ações de solidariedade em tempos tão difíceis. Diz que muita gente tem se oferecido para fazer compras para os mais idosos e mesmo para ajudar, pela internet, as crianças de vizinhos com os temas e os estudos, uma vez que nem todos os pais estão acostumados com essa tarefa.

“O número de mortos pelo vírus não é o único é ser considerado, pois morre muita gente que não recebe tratamento de outras enfermidades, já que os leitos estão cheios de pacientes infectados pelo Coronavírus. A doença superlota o sistema hospitalar, por isso a importância de termos consciência e ficarmos em casa”

Bárbara Armino, caxiense no Reino Unido

Uma das maiores metrópoles do mundo, a cosmopolita Londres, com seus mais de 9 milhões de habitantes, pouco a pouco começa a ver suas movimentadas ruas e famosos atrativos turísticos esvaziando. Fortemente criticado por ser, inicialmente, contrário às medidas de isolamento adotadas em países como Espanha e Alemanha, diante do avanço dos casos de Covid-19 no Reino Unido, o primeiro-ministro, Boris Johnson, mudou o tom do discurso. Na segunda-feira, 23, decretou enfim o fechamento de todos os serviços não essenciais e, em pronunciamento, deixou um recado claro e direto à população. “A partir desta noite, preciso dar ao povo britânico uma instrução muito simples: você precisa ficar em casa”, disse. Na sexta-feira, 27, ele também foi diagnóstico com a doença.

A cidade mais agitada da Europa começa a diminuir o movimento
(Foto: Bárbara Armino, Divulgação)


Moradora de Londres há mais de um ano, a jornalista caxiense Bárbara Armino, 26 anos, que trabalha para uma empresa de pesquisa de mercado na área da saúde, se diz preocupada. Conta que apesar do decreto, e a exemplo do que ocorreu no último fim de semana, embora as ruas comercias estejam desertas, os parques continuam lotados. “A rua faz parte da identidade londrina. As pessoas passam o dia fora, voltam tarde, pegam metrô, caminham muito. Então é complicado entenderem que devem ficar em casa e abrir mão dessa liberdade para não sobrecarregar os hospitais e ver o vírus se espalhando como na Espanha ou Itália”, lamenta.


No momento, Bárbara trabalha de casa, mas nas saídas que faz para a rua nota que, apesar do país já contar com 11.816 infectados e 580 mortes, a conscientização não é total. “Nos mercados estão tentando implantar fitas adesivas no chão pedindo distanciamento, mas ninguém tem respeitado. Ontem saí para correr e aqui perto as ruas seguiam lotadas”, pontua.

Prateleiras vazias começam a aparecer nos mercados de Londres (Foto: Bárbara Armino, Divulgação)

O drama de quem fica

Se parte dos 66 milhões de habitantes do Reino Unido parece tapar os ouvidos às recomendações e medidas de Boris Johnson, a mais de 10 mil km dali, um brasileiro acompanha atento as palavras e ações do primeiro-ministro britânico. Trata-se do comerciante de tintas, Antônio Leonardo Armino, 58 anos, que mais que acompanhar o noticiário inglês, não se abstém em opinar. “Só pode que estão fora da casinha, tinham que ter tomado essas medidas 30 dias atrás para evitar a situação que estão tendo que enfrentar. Só agora estão pedindo para o pessoal ficar em casa. Mas ok, antes tarde que nunca”, pondera.


A preocupação com a situação da ilha europeia não vem do nada. Pai de Bárbara, além dos jornais, Armino também se atualiza da situação com a filha. Conversam diariamente por vídeo chamadas. “Ela está em casa, não tem saído, então falamos todos dias e ela me coloca a par da situação. Como Londres é o centro de tudo lá e as ações demoraram tanto, fico ansioso de estar assistindo isso de longe”, conta.


Armino, que acompanha tudo que ocorre na Europa pelo menos há 40 dias, diz que Londres tem servido de parâmetro para ele. Assim como agradece a filha por se cuidar, de sua parte também se mantém em casa. Avalia, inclusive, que as prefeituras locais agiram bem em promover ações cedo, antes que o vírus se espalhasse como na cidade onde vive Bárbara, por exemplo. “Senti o baque, pois tenho comércio e minha renda diminuiu. Mas foram medidas acertadas. Precisamos ficar em casa”, opina.