Enquanto no mês de março a queda do número de ocorrências foi de 16,67% em todo o Rio Grande do Sul, em Bento Gonçalves os registros de violência doméstica diminuíram mais de 57% segundo a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher

O município de Bento Gonçalves vive uma situação atípica no que se refere à violência doméstica neste período de Convid-19, a pandemia do coronavírus. Enquanto no Rio de Janeiro o crescimento do número de ocorrências superou a casa dos 50% e em São Paulo subiu 20%, os registros de casos de ameaças, agressões, estupros, feminicídios consumados e tentados trilharam caminho inverso no Rio Grande do Sul (queda de 16,67%) e na Capital Nacional do Vinho (redução de 57,61). Os números são de março, quando a pandemia foi reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e iniciaram a quarentena e isolamento social determinados por municípios e estado para evitar o contágio.

Os dados do período de 1º de março até 4 de maio, segunda-feira, relativos a Bento, foram revelados com exclusividade ao Jornal Semanário nesta terça-feira, 5, por Deise Salton Brancher Ruschel, delegada de Polícia desde 2013 e titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) de Bento Gonçalves há cinco anos. No município, de acordo com a policial, não foram registrados neste ano, desde janeiro, crimes de feminicídio (mortes violentas praticadas contra mulheres), consumados ou tentados, ao contrário de 2019 quando foram anotados seis casos. Foram três assassinatos consumados e outras três tentativas, durante todo o ano passado.

Circunstâncias

O fato de Bento Gonçalves se destacar no estado pelos baixos índices de violência doméstica, tipificação do crime praticado contra mulheres, crianças e adolescentes, é explicado pela delegada Deise com uma série de circunstâncias que, literalmente, “mascaram” a realidade em relação ao que de fato deve estar acontecendo. “Quando se diz que os números da violência doméstica em Bento diminuíram, eu não faço esta afirmação. O que houve é que os registros de ocorrências relacionadas à violência doméstica e familiar reduziram, o que não significa que os casos tenham de fato se reduzido”, garante a delegada da Deam. “Bem pelo contrário, creio que aumentou”, destaca.

Um dos fatores para acreditar no aumento de casos, mesmo que estas informações não estejam chegando às autoridades policiais, é a presença maior do marido ou companheiro que é agressor, dentro de casa, forçado pela crise de saúde imposta pela Covid-19. Outra razão que contribui é o fato de, atualmente, a Delegacia da Mulher não estar fazendo o registro de ocorrência de modo presencial, devido à pandemia, há cerca de 30 dias. As ocorrências estão sendo anotadas no plantão da Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA) quando as vítimas se dispõem em ir ao local por se tratar de situação de urgência e que necessitam, inclusive, que seja requerida à Justiça a adoção de medidas protetivas.

Algumas razões para a queda

A redução no número de ocorrências se dá também pelos seguintes motivos, segundo a delegada Deise Brancher:

1 – A recomendação para que as pessoas não saiam de casa por força dos decretos que estabeleceram a quarentena e isolamento social evitando o contágio e para conter a pandemia do coronavírus.

2 – Necessidade de, havendo filhos, ter alguém com quem seja possível deixá-los durante o período em que a mãe estiver fora, em busca de ajuda diante de eventual crime de violência doméstica.

3 – Dificuldade e falta de conhecimento que muitas mulheres têm para acessar, através da internet, a delegacia online, ferramenta que permite o registro de ocorrência policial por meio virtual.

4 – Receio que muitas mulheres têm de perder o emprego por causa da crise financeira provocada pela pandemia, principalmente quando constituem a única fonte de renda da casa.

5 – Receio de não ter como sustentarem a si e aos filhos se efetuarem denuncia contra maridos ou companheiros e diante de uma possível separação, sendo eles os provedores do sustento da família.

6 – Presença do marido ou companheiro por mais tempo em casa, por força do isolamento social, o que torna o eventual agressor mais controlador, ao ponto de impedir que a mulher saia de casa para, se necessário, efetuar denúncia e registro da ocorrência.

Deise Brancher Ruschel, há cinco anos titular da Delegacia da Mulher de Bento Gonçalves, diz que queda no número de ocorrências não é real – Foto: Silvestre Santos

Delegacia suspendeu o atendimento externo

A falta de condições estruturais do prédio onde está funcionando a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, órgão que trata dos casos de violência praticada contra mulheres, crianças e adolescentes, fez com que fossem temporariamente fechadas as portas ao público externo. Os 12 funcionários da Deam, distribuídos entre cartórios, recepção e serviços administrativos convivem com a falta de janelas e da ventilação necessária para evitar o vírus da Covid-19.

Na sala da delegada Deise a única janela tem que ficar fechada por causa do barulho e pelo mau cheiro que vem da rua Marechal Floriano. A outra, que dá para a Rua Félix da Cunha, também não pode ser aberta por causa dos camelôs que ficam quase na esquina. A única área ventilada é a cozinha. “Até estou pensando em transformar em uma sala para depoimentos”, diz a delegada, referindo-se ao espaço. Sobre o fechamento, explica: “como é que vamos atender aqui, sem ventilação e com o risco de expor os funcionários, a vítima e seus acompanhantes? É uma questão de saúde publica”.

Quando a mulher deve procurar ajuda?

  • QUANDO for impedida de sair de casa, falar com amigos e familiares.
  • QUANDO for forçada a fazer sexo sem consentimento.
  • QUANDO for ameaçada de perder a guarda dos filhos.
  • QUANDO for agredida fisicamente.
  • QUANDO for ofendida, amedrontada, constrangida ou controlada.
  • QUANDO for humilhada diante dos filhos, dos familiares ou em público.
  • QUANDO for ameaçada de morte, intimidada com uso de arma.
  • QUANDO for forçada a retirar a denúncia formulada ao órgão policial.