Quem o vê hoje – empreendedor acima da média, leitor acima da média, design acima da média, pai acima da média, fitness acima da média ser humano acima da média – mal imagina que ele tenha passado por poucas e boas, em épocas remotas. Se bem que todos passam por situações embaraçosas em um ou outro momento da vida, coisas que a gente só revela quando isso não causa nada mais que risos.

Então, o cara fazia o ensino médio numa escola distante da residência e tinha que se virar com o seu deslocamento: ou a pé ou de ônibus, sendo que o roteiro deste incluía uma volta imensa pelo perímetro urbano até chegar ao destino. Na época, não tinha essa de carro particular levar e buscar, a não ser em caso de emergência.

Certo dia, a emergência se efetivou, mas o carro não. Acontece que na noite anterior, a mãe, cozinheira abaixo da média, fez uma gororoba de nome chique, provocando o “segundo cérebro” – aquele formado por uma rede de neurônios de seis a nove metros que percorre o abdômen. O “togado”, numa decisão autônoma, resolveu fazer uma limpeza gástrica e drástica na manhã do dia seguinte. Foi assim:

O adolescente estava em aula ouvindo a professora de Ciências acerca do sistema imunológico, que era constituído por um batalhão de soldadinhos que atacavam invasores externos como bactérias, fungos, protozoários coisa e tal, quando soou um alerta no interior de suas entranhas: o toque da corneta. Tempo de levantar e debandar. Pensava numa desculpa aceitável, menos a verdadeira, quando o diretor interrompeu pedindo licença para comunicar alguma coisa. O rapazinho aproveitou o lance e escapuliu.

Mas o banheiro da escola, um ataque à privacidade, era o lugar menos indicado para “liberar geral”. Então o bom menino começou a Via-Crúcis, o caminho do colégio até sua casa, sob um sol de verão abrasador. Parava a cada novo movimento peristáltico, sentava e contraía a musculatura do baixo ventre e adjacências até recuperar o controle da situação.

Enfim em casa. Subiu os degraus de três em três. Colou o dedo na campainha. Gritou: “Abre!”. Mas ninguém atendeu. “Puta merda!”, exclamou desesperado. Correu para os fundos, onde foi recebido alegremente pela Lessie, uma mistura de pedigree com vira-lata.

-Sai, sai, sai! – gritou ele, recusando o afeto molhado da cachorra. Depois lhe roubou o pote da comida e, sem nenhum pudor, aliviou-se, sob o olhar atento dela. O matinho, ao lado, encobriu tudo, até o “penico”.