É engraçado como o cérebro guarda apenas lembranças marcantes da infância. Segundo um estudo, são as memórias boas que permanecem, pois as desagradáveis somem para que a pessoa mantenha uma perspectiva positiva sobre a vida. Considerando essa afirmação, concluo que minha infância careceu de ludicidade e alegria, já que, das poucas coisas que me lembro, a maior parte tem a ver com fatos negativos.

Compreensível. Os anos cinquenta não foram tão dourados assim. A educação era repressora, e nós, crianças, tínhamos que segurar a onda, porque a distância entre pais e filhos era grande e não permitia diálogo, muito menos desabafos ou confidências.

Abrindo o baú do passado distante, encontrei lá, no fundo, uma passagem de quando eu tinha seis anos e repetia que a Primeira Comunhão era o evento mais feliz da minha vida. Sendo tão feliz, o episódio merece ser contado…

A história aconteceu na “capital” – Santa Tereza – onde as crianças do interior se deslocavam uma semana antes para a preparação, que incluía o exame do catecismo, a confissão e o ensaio geral para o grande evento. Quanto a mim, pude também saborear, pela primeira vez, picolés industrializados. Com cinco cruzeiros na mochila, comprei um por dia, para inveja das coleguinhas.

Então, a cerimônia religiosa ia começar. Todas as meninas vestiam o seu traje branco, com véu e grinalda, parecendo noivas em miniatura. Estava tudo muito bom até chegar uma princesinha morena cujo nome também era régio, com tiara brilhante sobre os cabelos cacheados e um vestido de tirar o fôlego. Deslumbradas, fizemos um círculo em torno dela, que rodopiava para mostrar o movimento das saias. Um conto de fadas real que nos mostrou o lado em que estávamos: o da plebe.

Já na Igreja, a cerimônia foi cansativa, confusa e demorada, tipo as sessões de julgamento do Supremo. Lá pelas tantas, a fisiologia começou a se impor. Bexiga cheia, e o blá-blá-blá do bispo que não tinha fim. Deletei as particularidades – possivelmente estejam na nuvem, e só uma busca especializada seria capaz de resgatá-las – mas a imagem da “menininha” continua gravada no meu disco cerebral. Não conseguindo se segurar, “ela” deu início a um vazamento silencioso, encoberto pelo vestido longo. Felizmente o calor intenso ajudou a secar a pocinha formada junto aos pés, antes mesmo de terminar o rito.

E então, não foi um dia de extrema felicidade?!