Diretores das empresas Bento Transportes e Ozelame Transportes expõem dificuldades para manter o serviço disponível para a população em meio às sucessivas elevações no preço médio do litro do diesel, acompanhado da queda significativa do número de passageiros, que ocorre desde o início da pandemia do coronavírus

Essa semana, a Petrobras anunciou mais um aumento no preço do óleo diesel para as distribuidoras. Desde terça-feira, 10, o preço médio do litro passou de R$4,51 para R$4,91, ou seja, aumento de 8,87%. É a segunda elevação em um período de 60 dias. Com as constantes altas, empresas que trabalham com transporte estão sendo impactadas e desafiadas a manter o serviço.

A empresa Bento Transportes, responsável por gerir ônibus com linhas municipais e intermunicipais, vem lutando para sobreviver. O diretor da companhia, Gustavo Toniolo, afirma que as passagens do transporte, há muito tempo estão defasadas, sem conseguir acompanhar o aumento dos custos operacionais, tendo o cenário piorado desde o início da pandemia do coronavírus.

Na empresa, apenas o custo com esse combustível representa mais de 30% de toda a operação. “O óleo diesel aumentou 68% em 2021 e mais 47% somente em 2022 Todos os demais insumos (pneus, ônibus, peças, salários) também aumentaram. Em Bento Gonçalves, as passagens urbanas, neste mesmo período, tiveram aumento de apenas 5%. As passagens intermunicipais foram reajustadas em 6,60% no final de 2021 e mais 7,33%, em caráter emergencial, recentemente, em 2 de maio deste ano”, avalia.

Para tornar o cenário ainda mais delicado, a empresa tem registrado queda significativa no número de usuários que utilizam o transporte. De acordo com Toniolo, eram transportados, por mês, uma média de 110 mil passageiros nas linhas intermunicipais. Entretanto, no início da pandemia, o número caiu 90%. Nas linhas urbanas de Bento, que costumavam transportar 230 mil passageiros mensalmente, a queda foi de 80%. “Situação que perdurou crítica em todo o período de abril a dezembro de 2020”, aponta.

Embora a partir de 2021 tenha ocorrido uma melhora gradativa, Toniolo acrescenta que atualmente a empresa carrega, por mês, apenas 50% dos passageiros que transportava nas linhas intermunicipais e 75% dos usuários nas linhas urbanas. Ou seja, ainda não houve uma recuperação considerável de pessoas que utilizam o serviço.

Para lidar com o impacto, Toniolo afirma que não há muitas alternativas para reduzir os gastos. “Como a empresa precisa, por força de contrato, manter os serviços essenciais para a população, não há muito o que fazer em termos de redução de custos, uma vez que os ônibus precisam circular, independentemente do número de usuários e, para tanto, todo o investimento é necessário”, garante.

Entretanto, o diretor aponta as possibilidades que restam. “O atendimento da demanda na exata medida do necessário, a venda de capital / ativos e aumento do passivo através de financiamentos bancários, no aguardo de que os poderes públicos venham em socorro do sistema. Caso isso não venha a ocorrer, em último caso, não está descartada a paralização das atividades”, afirma.

Além disso, o empresário cita que inúmeros municípios já estão subsidiando o transporte urbano. “Como é o caso de Caxias do Sul, Santa Cruz do Sul e Porto Alegre, objetivando a manutenção dos serviços. Situação que até este momento não ocorreu nas cidades de Bento Gonçalves e Farroupilha, onde a Empresa Bento atua”, alerta.

Por fim, o diretor da empresa destaca que o cenário preocupa muito. “Temos hoje, em todas as nossas operações, 400 funcionários que dependem desta empresa e em 75 anos de história nunca vivenciamos situação tão complicada como esta. O aumento generalizado e constante de todos os insumos necessários para a operação e a redução considerável do número de usuários configura quadro insustentável para o sistema do transporte público de passageiros”, finaliza.

“Futuro incerto”, afirma diretor da Ozelame Transportes

Sofrendo da mesma maneira com as consequências da alta dos combustíveis, o diretor da Ozelame Transportes, Júlio Ozelame, afirma que o custo da empresa com óleo diesel já foi de 20% a 25%. Hoje é de aproximadamente 40%. Ou seja, valor que dobrou.

Sobre a preocupação com os constantes aumentos, Ozelame afirma que a cada mês, estão sendo usadas todas as ferramentas para se enquadrar na nova realidade. “Futuro incerto”, garante.

A empresa também viu o número de passageiros cair radicalmente, complicando ainda mais a situação. “O Impacto maior foi durante a pandemia, onde chegamos ao número ridículo de 15.000 e antes da pandemia transportávamos em torno de 80.000 pessoas”, compara.

Vai ter reajuste no preço das passagens intermunicipais?

O diretor da Bento Transportes esclarece que a empresa não pode realizar nenhum reajuste do valor da tarifa. “Este aumento somente pode ser concedido pelo Estado, nas linhas intermunicipais e pelo Município, no serviço urbano. Não obstante isso, é evidente que o sistema está operando em prejuízo desde março de 2020, se considerarmos o custo da operação e os preços das tarifas / passagens”, afirma.

Além disso, ele salienta que é urgente encontrar uma solução. “Em nosso entender, estado e o Munícipio deveriam, de alguma forma, auxiliar este serviço de utilidade pública, avaliando, inclusive, se o melhor a fazer seria aumento de tarifa ou o alcance de subsídio ao sistema, evitando-se assim o colapso total”, salienta.

Questionado se a Ozelame pediu reajuste de valor das tarifas neste ano, o diretor da empresa afirma que está sendo aguardado para junho. “Não sabemos ainda o percentual, mas passará de dois dígitos”, antecipa.

Reajuste nas passagens urbanas?

 Questionado se existe possibilidade de ocorrer aumento na tarifa do transporte público municipal em Bento Gonçalves, o secretário de Gestão Integrada e Mobilidade Urbana, Henrique Nuncio, afirma que as empresas costumam realizar o pedido de reajuste anualmente à municipalidade, baseados no custo de operação e no cenário atual. “Com a elevação do preço do petróleo, que impacta diretamente no valor dos combustíveis e seus derivados, além de uma realidade economicamente mundial instável, reflexo da pandemia e da guerra, implicam na elevação do custo de todos os insumos”, afirma.

Por fim, Nuncio alega que o Executivo trabalha com cenários que não penalize o usuário do sistema com a elevação da tarifa, “mas visando o fomento do modal, tornando-o mais atrativo à comunidade, criando alternativas que mantenha um serviço de qualidade ao usuário com o menor preço possível”, finaliza.

Atualmente, quem depende do transporte coletivo urbano desembolsa R$4,75. O último aumento ocorreu em outubro de 2021, quando a passagem custava R$4,25 e foi reajustada em R$0,50.

Caminhoneiros também estão preocupados

Valtuir Zanotti Pagliarin, 59 anos, é caminhoneiro há quase 36. Entretanto, nesse período, nunca vivenciou um cenário tão preocupante.  “Ficou difícil, não tem como trabalhar com esse preço do óleo diesel”, afirma.

Pagliarin roda cerca de 120 mil quilômetros por ano. Autônomo e dono de um caminhão que já tem dez anos, ele pensava em trocar por um mais novo. Porém, com a alta do preço do combustível, precisou mudar radicalmente de plano. “Vou é parar, isso sim, vou vender, já estou fazendo proposta por causa da situação. Um litro de óleo diesel valer R$7 é o fim do mundo”, desabafa.

Clesio Joé Duz, 58 anos, também é caminhoneiro. Geralmente carrega o caminhão em Bento e descarrega no litoral ou em cidades de Santa Catarina. No momento em que a reportagem fez contato com ele, por telefone, ele havia acabado de abastecer o caminhão e pagou R$6,66 pelo litro do diesel. “Não existe isso. Estou preocupado demais. A gente insiste, não quer parar, mas vamos nos obrigar, está horrível”, garante.